Julia Wuestefeld
Um pouco de chorume. Só um pouco de suco de lixo, de
dejetos. Todo o resto que não nos atrevemos levar à boca. Isso é tudo que se
precisa pra dar a vida. Não. Minto. No meu pequeno e triste canteiro de
plástico também tinha um pouco de terra morta e a chuva deve ter ajudado
também. Mas aquele líquido milagroso, feito de tudo que tem de pior na casa, é
irônicamente o que nos sustenta. Se a decomposição tivesse um sangue, seria
este, que escorre da morte como o que escorre que de um corte.
E traz a vida. Faz germinar do chão, do banco de sementes da
terra, as mais charmosas da mudas. Pequenos brotos de coentro, habanero e
gengibre que não encontravam-se ali antes e que apareceram sem convite na
varanda 50x130 do meu apartamento. Só por causa da água rica em morte e vida
despejada ali naquela terrinha severina e estéril do quinto andar.
As minhocas, os pulgões, os vermes que agora povoam este
pequeno território aéreo proclamam a esperança em um mundo aséptico, em um
tempo quando os maiores bens que podemos ter são o Raid, o Álcool 70 e o
Merthiolate. Enquanto isso, os minúsculos tatus-bola tocam suas minúsculas e
proféticas trombetas: anunciando a vida que reina sobre a morte. As únicas
coisas precisas são uma fatia de curiosidade e um pensamento inevitável que
estamos fadados ao fracasso. Isso - e uma cultivação quase irracional do tão
desprezado lixo.
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