Tive mais um ano de cão. Só nós sabemos(pois só quem passa
por isso sabe dar o valor) dos danos que essa vida nos causa. E eu, olha, eu
fiquei totalmente danificada. Algumas pessoas deixam um rastro tão nefasto na
vida de outras que não consigo ver de outra forma senão essa: um dano. Um
rasgo. Um aleijão. E não, não passa. Nada passa. Tudo que nos acontece fica
marcado de uma forma ou de outra em algum lugar. A gente pode até achar que
passa, pode achar isso nos momentos bons, mas aquilo fica lá, entranhado em si.
Trauma pode se manifestar em forma de raiva, de desprezo, pode virar uma
repetição de padrão destrutiva, pode te deixar para sempre com medo, pode te
fazer ficar por demais destemida. O que consigo ver que aconteceu comigo é o
seguinte: eu sequei. Me sinto toda esfarelada. Danificada. Rachada como um
terreno arenoso onde é necessário um instinto filho da puta para poder
sobreviver. Até nasce uma coisinha ou outra ali, mas qualquer coisa mais
delicada murcha e morre rapidinho. É assim que eu ando me sentindo. Calcificada
por dentro.
Se quiser, posso te ensinar a sentir dor. Eu sei sentir dor
e sobreviver a ela de uma maneira que nem eu acredito. Eu nunca vou cansar
disso, nunca vou precisar de coragem para me apaixonar porque preciso de paixão
para escrever. Porque é isso que eu faço. Eu escrevo o dia inteiro, eu acordo e
vou escrever, eu acordo pensando nisso e durmo pensando nisso. Mas se não
tivesse paixão, não ia adiantar porra nenhuma.
Isso era eu á uns anos atrás Uau, ein? Que força, que furacão.
Eu era, eu era. Mas a vida tem-me tramado demais a vida não, mas quem tem
entrado nela ...
Vou dizer até te convencer de que a solidão é muito, muito
mais dolorosa do que qualquer paixão. O nada é a pior coisa que pode acontecer.
O nada é seco, é uma árvore esturricada na beira da estrada, é uma plantinha
sozinha no meio do deserto, uma plantinha que sabe que vai morrer ali, seca e
sozinha. É assim que me sinto ...
Sinto que não sei mais sentir, não sei mais me deixar
sentir, não sei mais me entregar. EU NÃO SEI MAIS ME ENTREGAR. Nem por duas
horas. Nem por meia hora. Fingir eu nunca soube mesmo, e nem quero aprender.
Nunca pensei que passaria por isso. Eu achava que seria para sempre a impetuosa
jovem das linhas acima, que quebrava a cara repetidamente e levantava e
levantava e cuspia sangue e dizia mais uma vez me levantei. Não quebro mais a
cara porque não caio, e se cair, não tem sangue para jorrar, não tem coração
para bater, não tem porra nenhuma há anos. Eu até tentei mentir que tinha e só
consegui sentir ódio. Ódio de mim, ódio daquilo tudo onde eu tinha me metido
nem sei como é uma frustração inenarrável. Acho que sequer posso dizer que
aquela era eu. Era um pedaço, um fragmento pequeno e incompleto de mim que
jamais vingaria. Bom, eu tentei.
Eu sinto muito, mas eu não sinto mais nada.
(...)
A hipocrisia se revela...
Em rostos cobertos,como se fossem santos.
Esses rostos não me enganam mais,
Nessas faces afundadas na mentira.
Naqueles que acreditam,iludidos
Um dia irão ver as faces derretidas e verdadeiras.
Maria Rita
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