terça-feira, 31 de março de 2015

NOTURNO


De repente, quando abri a janela, percebi:
a noite chegara. Não me dera conta
do adiantado da hora, da mudança do tempo, da súbita friagem.
Não vira o sol se pôr nem as estrelas se acenderem uma a uma sobre os edifícios.
A noite instalara-se sem aviso,
sem nenhum pressentimento.
Obrigado, irmãos, pela companhia até aqui.
Pelas risadas, pelas lágrimas, pelas confidências inesperadas.
Mas agora é preciso que eu vá
– e que eu vá sozinho.
Sem nenhum amparo, nenhum roteiro, nenhum Virgílio.
Algo me diz que eu já conheço o caminho:
uma estrada comprida e levemente sinuosa
a mergulhar no breu.
Nasci da noite. Cresci contra ela.
Contra ela desfraldei minhas bandeiras de insurgência.
Ah, foi dura a peleja. Agora eu retorno a ela,
reconciliado, apaziguado, completamente submetido.
Dama dos abismos, aqui estou.
Estuário de todas as fontes, oceano de todos os danos, doce amante terminal.
Abre os braços brancos para mim. Dá-me os teus úberes vialácteos,
a vastidão incalculável do teu ventre, o teu sexo
túrbido e tépido.
Finda esta peregrinação que ao final me pareceu tão curta,
descalço minhas sandálias
conspurcadas pelo barro das veredas. Eis-me aqui, senhora,
nu e exaurido, para o último abraço, a última cópula, o última trago.
Diante das tuas portas engalanadas.
Diante dos teus muros altos.
Diante do teu fosso.
Desde sempre.

Otto Leopoldo Winck

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