e o meu anjo da guarda quedou-se de mãos postas
no desejo insatisfeito de Deus.
manuel bandeira
me desculpa, geraldo carneiro,
entrar assim (a pontapés)
em poema alheio,
mas se deus é crupiê
do acaso, como dizes, tem
seu tanto de escroque
bem mais pleno:
deus (esse deus que
me ensinaram, ao menos)
é também cafetão de almas,
é também traficante
de tempo.
2.
Deus só não é Deus.
Deus é uma prostituta na frente do espelho. É um cão vira-lata atravessando a rua
e um adolescente se masturbando no banheiro. É um peixe morto trazido pela maré
e uma cobra na árvore da sabedoria. É um porteiro falando sozinho às três da manhã
e um menino no terminal cheirando tiner. Deus é uma senhora gorda que acredita em Deus
e uma menina que perde a virgindade. É um homem engravatado e um caminhoneiro e um operário e um mendigo. É uma árvore e um tigre medindo sua jaula, e um tigre passeando nossa alma. É uma empregada encoxada no ônibus e um ladrão baleado na esquina. É um gafanhoto de joão batista. É uma freira menstruada. Deus é um incrédulo e um vendedor de carros. É um pássaro preso depois de solto e um pássaro solto depois de preso. É um médico legista e um psiquiatra. Deus é um suicida. Deus é uma criança com fogo-selvagem e uma banhista marcada nos mamilos. Deus
é um senhor desempregado descendo a rua e uma barata subindo o corpo. É uma mãe cheia de afazeres e varizes e uma aranha seduzindo (na seda) a mosca etc.
ou
acender o cigarro num relâmpago
e olhar mais uma vez:
Ninguém.
Deus é um silêncio indecente, tão-apenas,
maior que a morte, roupas (vazias)
espalhadas pela cama.
Deus somos dois. aquele silêncio
triste e satisfeito,
vago e exato
de depois do amor.
Rodrigo Madeira
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