quinta-feira, 23 de julho de 2009

Ex Machina

e o meu anjo da guarda quedou-se de mãos postas

no desejo insatisfeito de Deus.

manuel bandeira


me desculpa, geraldo carneiro,

entrar assim (a pontapés)

em poema alheio,


mas se deus é crupiê

do acaso, como dizes, tem

seu tanto de escroque

bem mais pleno:


deus (esse deus que

me ensinaram, ao menos)

é também cafetão de almas,

é também traficante

de tempo.



2.

Deus só não é Deus.


Deus é uma prostituta na frente do espelho. É um cão vira-lata atravessando a rua

e um adolescente se masturbando no banheiro. É um peixe morto trazido pela maré

e uma cobra na árvore da sabedoria. É um porteiro falando sozinho às três da manhã

e um menino no terminal cheirando tiner. Deus é uma senhora gorda que acredita em Deus

e uma menina que perde a virgindade. É um homem engravatado e um caminhoneiro e um operário e um mendigo. É uma árvore e um tigre medindo sua jaula, e um tigre passeando nossa alma. É uma empregada encoxada no ônibus e um ladrão baleado na esquina. É um gafanhoto de joão batista. É uma freira menstruada. Deus é um incrédulo e um vendedor de carros. É um pássaro preso depois de solto e um pássaro solto depois de preso. É um médico legista e um psiquiatra. Deus é um suicida. Deus é uma criança com fogo-selvagem e uma banhista marcada nos mamilos. Deus

é um senhor desempregado descendo a rua e uma barata subindo o corpo. É uma mãe cheia de afazeres e varizes e uma aranha seduzindo (na seda) a mosca etc.


ou

acender o cigarro num relâmpago

e olhar mais uma vez:

Ninguém.


Deus é um silêncio indecente, tão-apenas,

maior que a morte, roupas (vazias)

espalhadas pela cama.

Deus somos dois. aquele silêncio

triste e satisfeito,

vago e exato


de depois do amor.

Rodrigo Madeira

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