quinta-feira, 23 de julho de 2009

Roseana

só os animais são eternos.

jorge luis borges



refaço estória e ritual, com licença:

eu o sepulto também

aqui, no torrão raso

da página,

sob a palavra “asa”

em lugar de terra.



foi ana rosa que contou. história simples de passarinho. como os passarinhos.


desceu uma tarde em seu quintal um periquito. auriverde.

não!

cárdeo-cardíaco, sob o sol das quatro. na sombra,

musgo apodrecido.



inquieto, ágil, como de resto as aves

diminutas, por regra. um cavalo.



mas ficou logo escarrado: que era dócil, doméstico de ontem, solto, fugido.

não era espanto estar próximo, não se alarmava, não voou para longe,

para o: exato.


ficou ali, na imortalidade. relapso. fato estúpido.

livre, no instante, era um não ser

solitário.

como um cão.


notou (a rosa) que ele deslumbrava, transcendido de horizontes,

bem-assombrado. e ana também. deslumbrava.


mas

em contrário – mulher forte e firme, acostumada à voragem da vida –, o passarinho era um coração pequeno, nada mais. para aquela alegria, súbita e vertigem,

a musculatura frágil e

desusada.


peixe morto.



– deve ter voado o dia todo, coitado. não aguentou – ela disse.


também me arrepio.

de já haver conhecido periquitos alucinados.


é verdade, morreu de exaustão. de inadvertido, inexperiente.

no entanto, que sou incorrigível

e desconcertado, por isso eu acho:

morreu de vida.



(cavalo, cão, peixe e

pássaro.)


morreu

de eternidade.



***

depois, e foi só, ana o enterrou (com umas mãos de terra

e folhas secas) no quintal da casa.

Rodrigo Madeira

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