só os animais são eternos.
jorge luis borges
refaço estória e ritual, com licença:
eu o sepulto também
aqui, no torrão raso
da página,
sob a palavra “asa”
em lugar de terra.
foi ana rosa que contou. história simples de passarinho. como os passarinhos.
desceu uma tarde em seu quintal um periquito. auriverde.
não!
cárdeo-cardíaco, sob o sol das quatro. na sombra,
musgo apodrecido.
inquieto, ágil, como de resto as aves
diminutas, por regra. um cavalo.
mas ficou logo escarrado: que era dócil, doméstico de ontem, solto, fugido.
não era espanto estar próximo, não se alarmava, não voou para longe,
para o: exato.
ficou ali, na imortalidade. relapso. fato estúpido.
livre, no instante, era um não ser
solitário.
como um cão.
notou (a rosa) que ele deslumbrava, transcendido de horizontes,
bem-assombrado. e ana também. deslumbrava.
mas
em contrário – mulher forte e firme, acostumada à voragem da vida –, o passarinho era um coração pequeno, nada mais. para aquela alegria, súbita e vertigem,
a musculatura frágil e
desusada.
peixe morto.
– deve ter voado o dia todo, coitado. não aguentou – ela disse.
também me arrepio.
de já haver conhecido periquitos alucinados.
é verdade, morreu de exaustão. de inadvertido, inexperiente.
no entanto, que sou incorrigível
e desconcertado, por isso eu acho:
morreu de vida.
(cavalo, cão, peixe e
pássaro.)
morreu
de eternidade.
***
depois, e foi só, ana o enterrou (com umas mãos de terra
e folhas secas) no quintal da casa.
Rodrigo Madeira
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