terça-feira, 4 de junho de 2013

entrevista com o poeta Luiz Felipe Leprevost

tem um bom tempo já dei uma entrevista a Isadora Dutra, que havia sido minha professora numa breve e frustrada tentativa que fiz de cursar letras. certo dia, Isadora e eu nos encontramos ao acaso na Livraria Cultura e então marcamos a entrevista. houve alguns encontros. ela leu todos os meus livros. e então processou nossa conversa e acabou por formatá-la em três partes, um perfil, um texto crítico e a conversa, e publicá-la no excelente site Palpitar, para o qual colabora. não sei bem porque demorei tanto para compartilhar aqui a entrevista. acho que por ter me sentido um pouco mais exposto do que costumo estar, justo eu que tanto me exponho. há sem dúvida uma coisa ou outra sobre a qual (dada a edição e também agora tendo o tempo transcorrido) eu poderia dizer "não é bem assim", "não era bem esse o sentido da minha fala", mas em geral gostei deveras de ter tido as conversas com a Isadora e também do resultado do seu trabalho. o sentimento que fica é o de que fiz uma amiga. e quero agradecer imenso a ela o carinho do seu ato e a dedicação. bom, aos interessados, acompanhem o teor do nosso papo e a ótima apreciação crítica que ela faz do meu trabalho. beijos.
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"Cidade de almas invernosas

O curitibano Luiz Felipe Leprevost é autor de três livros de contos e dois de poesia, além do romance E se contorce igual a um dragãozinho ferido, sua primeira narrativa longa. Atualmente, ele trabalha no romance Dias nublados a ser publicado pela Arte&Letra.

Com títulos em geral longos, mas curiosos, o autor costuma usar algumas imagens recorrentes tanto na produção poética quanto na prosa. A autocitação é um dos recursos pelo quais ele constrói seu repertório imagético, ampliando as possibilidades de sentido de suas metáforas no diálogo entre as obras. Por exemplo, a imagem das barras antipânico, que dá título a um dos seus livros de contos, reaparece no romance. Certas frases do Manual de putz sem pesares também são reaproveitadas pelo autor na obra mais recente, ora reafirmando o seu significado original ora ampliando seu sentido em situações emocionais diferentes.

Outra característica dos textos de Luiz Felipe é o acúmulo de metáforas e a aproximação entre prosa e poesia. As narrativas são marcadas pela linguagem poética e a poesia apresenta elementos da prosa. Não há fronteiras definidas entre os gêneros. O aspecto metafórico dos textos é construído por imagens altamente impactantes que propõem uma expressividade bastante visual e surpreendente. O autor costuma estabelecer associações inusitadas entre conceitos ou sensações e imagens.

Na obra narrativa, ele apresenta uma profusão de vozes diferentes. A leitura revela aos poucos a linguagem característica de cada personagem e, através dela, percebe-se a lógica que rege o seu mundo e o seu modo de agir e pensar. Cada personagem está apegada a certos modos peculiares da fala, constituindo-se como uma identidade distinta. Além das múltiplas falas, Luiz Felipe cria uma variedade de tipos bem diferentes entre si. Assim como mergulha no mundo de uma adolescente, também narra as peripécias de um idoso pelo centro de Curitiba, incorporando suas personalidades na narrativa em primeira pessoa.

Obcecado, aliás, pelo frio curitibano, este é um dos temas fundamentais da obra do autor, o inverno que invade pelos "tímpanos". Acompanham o frio os dias nublados, a chuva fina e, claro, a neblina no cenário por onde circulam suas personagens. É uma Curitiba exclusivamente fria a cidade criada por Leprevost, onde o inverno não é apenas mais um elemento do espaço, mas é parte mesmo da psicologia das suas figuras humanas.

Na narrativa E se contorce igual a um dragãozinho ferido o protagonista curitibano lança seu olhar cheio de neblina sobre a cidade maravilhosa, cenário ensolarado, multifacetado e sujo. Intercalando passado e presente, a personagem narra sua experiência passada na cidade do Rio de Janeiro e o momento presente em Curitiba. A dicotomia da obra não se resume, porém, ao jogo entre presente e memória, mas reside também na oposição fundamental entre frio e calor. O inverno curitibano é a marca fundamental da personalidade do narrador, metaforizando seus estados psicológicos. Nos contos, o inverno igualmente compõe a paisagem psicológica das personagens." (Isadora Dutra)

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aqui um trecho da novela E se contorce igual a um dragãozinho ferido:

"Acendi um cigarro, nicotina também era combustível. Voltei à reunião. Dois minutos, o tempo que levou para minha garganta recusar não o colarinho abotoado, mas o próprio pomo de adão e tudo o que o circunda. Estando calado, fiz um silêncio ainda maior. Silêncio de silêncios, e em pânico. Algo rasgava de dentro pra fora. Meu estômago ardia feito um rato em chamas tentando perfurar as paredes do aparelho digestivo. Suava frio. Alguém reparou que eu não estava bem. Meu nariz pingava, limpei a coriza na manga do blazer. Minhas pupilas amparavam imagens bravias, nervosas, revoltantes."


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