tem um bom tempo já dei uma entrevista a Isadora Dutra, que
havia sido minha professora numa breve e frustrada tentativa que fiz de cursar
letras. certo dia, Isadora e eu nos encontramos ao acaso na Livraria Cultura e
então marcamos a entrevista. houve alguns encontros. ela leu todos os meus
livros. e então processou nossa conversa e acabou por formatá-la em três
partes, um perfil, um texto crítico e a conversa, e publicá-la no excelente
site Palpitar, para o qual colabora. não sei bem porque demorei tanto para
compartilhar aqui a entrevista. acho que por ter me sentido um pouco mais
exposto do que costumo estar, justo eu que tanto me exponho. há sem dúvida uma
coisa ou outra sobre a qual (dada a edição e também agora tendo o tempo
transcorrido) eu poderia dizer "não é bem assim", "não era bem
esse o sentido da minha fala", mas em geral gostei deveras de ter tido as
conversas com a Isadora e também do resultado do seu trabalho. o sentimento que
fica é o de que fiz uma amiga. e quero agradecer imenso a ela o carinho do seu
ato e a dedicação. bom, aos interessados, acompanhem o teor do nosso papo e a
ótima apreciação crítica que ela faz do meu trabalho. beijos.
...
"Cidade de almas invernosas
O curitibano Luiz Felipe Leprevost é autor de três livros de
contos e dois de poesia, além do romance E se contorce igual a um dragãozinho
ferido, sua primeira narrativa longa. Atualmente, ele trabalha no romance Dias
nublados a ser publicado pela Arte&Letra.
Com títulos em geral longos, mas curiosos, o autor costuma
usar algumas imagens recorrentes tanto na produção poética quanto na prosa. A
autocitação é um dos recursos pelo quais ele constrói seu repertório imagético,
ampliando as possibilidades de sentido de suas metáforas no diálogo entre as
obras. Por exemplo, a imagem das barras antipânico, que dá título a um dos seus
livros de contos, reaparece no romance. Certas frases do Manual de putz sem
pesares também são reaproveitadas pelo autor na obra mais recente, ora
reafirmando o seu significado original ora ampliando seu sentido em situações
emocionais diferentes.
Outra característica dos textos de Luiz Felipe é o acúmulo
de metáforas e a aproximação entre prosa e poesia. As narrativas são marcadas
pela linguagem poética e a poesia apresenta elementos da prosa. Não há
fronteiras definidas entre os gêneros. O aspecto metafórico dos textos é
construído por imagens altamente impactantes que propõem uma expressividade
bastante visual e surpreendente. O autor costuma estabelecer associações
inusitadas entre conceitos ou sensações e imagens.
Na obra narrativa, ele apresenta uma profusão de vozes
diferentes. A leitura revela aos poucos a linguagem característica de cada
personagem e, através dela, percebe-se a lógica que rege o seu mundo e o seu
modo de agir e pensar. Cada personagem está apegada a certos modos peculiares
da fala, constituindo-se como uma identidade distinta. Além das múltiplas
falas, Luiz Felipe cria uma variedade de tipos bem diferentes entre si. Assim
como mergulha no mundo de uma adolescente, também narra as peripécias de um
idoso pelo centro de Curitiba, incorporando suas personalidades na narrativa em
primeira pessoa.
Obcecado, aliás, pelo frio curitibano, este é um dos temas
fundamentais da obra do autor, o inverno que invade pelos "tímpanos".
Acompanham o frio os dias nublados, a chuva fina e, claro, a neblina no cenário
por onde circulam suas personagens. É uma Curitiba exclusivamente fria a cidade
criada por Leprevost, onde o inverno não é apenas mais um elemento do espaço,
mas é parte mesmo da psicologia das suas figuras humanas.
Na narrativa E se contorce igual a um dragãozinho ferido o
protagonista curitibano lança seu olhar cheio de neblina sobre a cidade maravilhosa,
cenário ensolarado, multifacetado e sujo. Intercalando passado e presente, a
personagem narra sua experiência passada na cidade do Rio de Janeiro e o
momento presente em Curitiba. A dicotomia da obra não se resume, porém, ao jogo
entre presente e memória, mas reside também na oposição fundamental entre frio
e calor. O inverno curitibano é a marca fundamental da personalidade do
narrador, metaforizando seus estados psicológicos. Nos contos, o inverno
igualmente compõe a paisagem psicológica das personagens." (Isadora Dutra)
...
aqui um trecho da novela E se contorce igual a um
dragãozinho ferido:
"Acendi um cigarro, nicotina também era combustível.
Voltei à reunião. Dois minutos, o tempo que levou para minha garganta recusar
não o colarinho abotoado, mas o próprio pomo de adão e tudo o que o circunda.
Estando calado, fiz um silêncio ainda maior. Silêncio de silêncios, e em
pânico. Algo rasgava de dentro pra fora. Meu estômago ardia feito um rato em
chamas tentando perfurar as paredes do aparelho digestivo. Suava frio. Alguém
reparou que eu não estava bem. Meu nariz pingava, limpei a coriza na manga do
blazer. Minhas pupilas amparavam imagens bravias, nervosas, revoltantes."
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