ULTIMO TEXTO DO PAULO DE THARSO PARA A ARTIGO 5º.
A lua em Saturno
A cidade Tiradentes é criativa nas noites em que a polícia
dá trégua. Minha juventude cinza eu a perdi. Quando uma geração floresce, a
outra declina, diz Homero. Mas o que sabia ele do mar e de suas ondas? A Europa
toda, uma imensa Grécia em ruínas. Jamais teremos como prioridade sair desses
labirintos. Nossa vida é um anúncio de margarina
Paulo de Tharso
O sinal está fechado. Saturno devora seus filhos pelo buraco
da muralha da China, enquanto nós atrasamos e adiantamos as horas frias. A
cidade Tiradentes é criativa nas noites em que a polícia dá trégua. Minha
juventude cinza eu a perdi quando penetrei sozinho nos labirintos da vida. E
eles eram e continuam sendo muitos. Saí de casa muito cedo. Não vi meu país
mudar. Estava em outro lugar me ocupando em ser estrangeiro. E agora, sou
estrangeiro por aqui. Olho o mundo obliquamente, de soslaio.
Entrar é o começo para sair. Nascer, crescer, envelhecer e
morrer. Fazer filhos e manter o círculo sem nada entender. Mas tudo é benção.
Aí está o grande incêndio. Existe fogo por toda parte e não há saída de
emergência. Babilônia, favelas das cidades e Paris desabam. Nova York e Iraque
rolam na esteira do fogo eterno. As armas, que não fazem o destino de um homem,
colocam em risco toda a humanidade. A guerra é a derrota da humanidade.
O sonho das letras e da ciência em tomarem o seu verdadeiro
lugar na obra do desenvolvimento humano foi desfeito. Não são livres da
servidão mercenária, pois não são cultivadas pelos que as amam e para os que as
amam. Caminhamos sob o trevor das inquisições modernas sem renascimento
possível. O desespero foi inventado e nos restou vendê-lo. Temos a publicidade,
os canais, a comunicação de massas e a tecnologia orgânica. Pagamos os dízimos
que garantirão nosso lugar no céu por meio de boletos e débitos bancários. Como
se Deus fosse o Banco Mundial emprestando a prosperidade e a felicidade de uma
vida eterna a juros altos.
Por fim, o sinal abre e, pelo retrovisor, tudo fica longe. O
farol, os olhos de estranheza da criança que me pediu um trocado, a árvore, a
avenida... Tudo ficando pequeno e esquecido no passado. Quando uma geração
floresce, a outra declina, diz Homero. Mas o que sabia ele do mar e de suas
ondas? A Europa toda, uma imensa Grécia em ruínas. As Américas ainda não distribuíram
suas riquezas como deveriam e suas riquezas podem ser subtraídas.
Há muita coisa para ser feita e talvez haja pouco tempo para
fazê-las. A chuva cai intermitente e, a cada vez, a gente sabe que pode esperar
nova enchente. Ainda dependemos da carne para sustentar o corpo. Do petróleo
para movimentar as máquinas. Ainda desmatamos nossas florestas e poluímos
nossos rios. Os japoneses invadem nossas águas e matam baleias. Os chineses não
querem saber de sustentabilidade. São tubarões com fome, 1.344.130.000 de
tubarões imperadores. E nós buscamos saídas dos labirintos bizantinos com
refinadas fraseologias. Tudo é vão.
Tudo é uma grande mentira apoiada na frase que o mundo
pós-guerra escolheu. A frase de Hitler ecoa nos salões do mundo moderno: “Quem
deseja viver prepara-se para o combate, e quem não estiver disposto a isso,
neste mundo de lutas eternas, não merece a vida”.
E o que dizer aos fracos e desvalidos? Aos sem porvir, aos
esquecidos? Aos que jamais terão acesso ao progresso, ao bem-estar, à saúde, à
educação? Por que o logo da posteridade é sempre mais forte do que o da
prosperidade? E isso não muda nunca. Pois se quiséssemos a prosperidade para
todos, teríamos usado ideias simples como as de Kropotikin, que dizia: “A
apropriação pessoal não é justa nem proveitosa. Tudo é de todos, visto que
todos precisam de tudo, visto que todos têm trabalhado na medida de suas
forças, e que é materialmente impossível determinar a parte que pertence a cada
um na produção atual das riquezas”.
Se quiséssemos a liberdade, estaríamos atentos a Bakunin:
“Assim, sob qualquer ângulo que se esteja situado para considerar esta questão,
chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas
populares se faz por uma minoria privilegiada. Essa minoria, porém, dizem os
marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários,
mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de
ser operários e pôr-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não
mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo.
Quem duvida disso não conhece a natureza humana”.
Não. Não conheceremos essas saídas e continuaremos esperando
o farol abrir. Com nossos gadgets de última geração, com nossas “revoluções”
pessoais na internet, com nossos sonhos de consumo que dizem ser prosperidade,
com a miséria que atribuímos à vontade de Deus, com os templos magníficos e os
monumentos às aranhas. Jamais teremos como prioridade sair desses labirintos.
Enclausurados em nossos cantos, sem poder ir e vir livremente e sem poder
determinar os nossos destinos, todas as manhãs, fingiremos que nossa vida é um
anúncio de margarina com a família reunida, com a certeza de que sairemos para
o trabalho e voltaremos para casa, sãos e salvos, para assistirmos aos
noticiários que vedem o desespero, a vontade do Estado, a vontade de outro.
Depois nos esquecemos de tudo diante de mais um capítulo de
qualquer novela da vida. Os olhos do menino no farol, a árvore, os incêndios, as
enchentes, os Pinheirinhos, os desvalidos, os esquecidos, tudo ficou lá traz,
tudo ficou pequeno no retrovisor. E, se porventura nos lembrarmos do farol,
daremos graças a Deus por não sermos eles. Quando eu acordo, lembro-me de
Bukowski e no que ele pensava enquanto amarrava os cadarços: “Até quando?”.
Fonte : Mário Bortolotto
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