domingo, 9 de junho de 2013

A lua em Saturno

ULTIMO TEXTO DO PAULO DE THARSO PARA A ARTIGO 5º.

A lua em Saturno

A cidade Tiradentes é criativa nas noites em que a polícia dá trégua. Minha juventude cinza eu a perdi. Quando uma geração floresce, a outra declina, diz Homero. Mas o que sabia ele do mar e de suas ondas? A Europa toda, uma imensa Grécia em ruínas. Jamais teremos como prioridade sair desses labirintos. Nossa vida é um anúncio de margarina

Paulo de Tharso

O sinal está fechado. Saturno devora seus filhos pelo buraco da muralha da China, enquanto nós atrasamos e adiantamos as horas frias. A cidade Tiradentes é criativa nas noites em que a polícia dá trégua. Minha juventude cinza eu a perdi quando penetrei sozinho nos labirintos da vida. E eles eram e continuam sendo muitos. Saí de casa muito cedo. Não vi meu país mudar. Estava em outro lugar me ocupando em ser estrangeiro. E agora, sou estrangeiro por aqui. Olho o mundo obliquamente, de soslaio.

Entrar é o começo para sair. Nascer, crescer, envelhecer e morrer. Fazer filhos e manter o círculo sem nada entender. Mas tudo é benção. Aí está o grande incêndio. Existe fogo por toda parte e não há saída de emergência. Babilônia, favelas das cidades e Paris desabam. Nova York e Iraque rolam na esteira do fogo eterno. As armas, que não fazem o destino de um homem, colocam em risco toda a humanidade. A guerra é a derrota da humanidade.

O sonho das letras e da ciência em tomarem o seu verdadeiro lugar na obra do desenvolvimento humano foi desfeito. Não são livres da servidão mercenária, pois não são cultivadas pelos que as amam e para os que as amam. Caminhamos sob o trevor das inquisições modernas sem renascimento possível. O desespero foi inventado e nos restou vendê-lo. Temos a publicidade, os canais, a comunicação de massas e a tecnologia orgânica. Pagamos os dízimos que garantirão nosso lugar no céu por meio de boletos e débitos bancários. Como se Deus fosse o Banco Mundial emprestando a prosperidade e a felicidade de uma vida eterna a juros altos.

Por fim, o sinal abre e, pelo retrovisor, tudo fica longe. O farol, os olhos de estranheza da criança que me pediu um trocado, a árvore, a avenida... Tudo ficando pequeno e esquecido no passado. Quando uma geração floresce, a outra declina, diz Homero. Mas o que sabia ele do mar e de suas ondas? A Europa toda, uma imensa Grécia em ruínas. As Américas ainda não distribuíram suas riquezas como deveriam e suas riquezas podem ser subtraídas.

Há muita coisa para ser feita e talvez haja pouco tempo para fazê-las. A chuva cai intermitente e, a cada vez, a gente sabe que pode esperar nova enchente. Ainda dependemos da carne para sustentar o corpo. Do petróleo para movimentar as máquinas. Ainda desmatamos nossas florestas e poluímos nossos rios. Os japoneses invadem nossas águas e matam baleias. Os chineses não querem saber de sustentabilidade. São tubarões com fome, 1.344.130.000 de tubarões imperadores. E nós buscamos saídas dos labirintos bizantinos com refinadas fraseologias. Tudo é vão.

Tudo é uma grande mentira apoiada na frase que o mundo pós-guerra escolheu. A frase de Hitler ecoa nos salões do mundo moderno: “Quem deseja viver prepara-se para o combate, e quem não estiver disposto a isso, neste mundo de lutas eternas, não merece a vida”.

E o que dizer aos fracos e desvalidos? Aos sem porvir, aos esquecidos? Aos que jamais terão acesso ao progresso, ao bem-estar, à saúde, à educação? Por que o logo da posteridade é sempre mais forte do que o da prosperidade? E isso não muda nunca. Pois se quiséssemos a prosperidade para todos, teríamos usado ideias simples como as de Kropotikin, que dizia: “A apropriação pessoal não é justa nem proveitosa. Tudo é de todos, visto que todos precisam de tudo, visto que todos têm trabalhado na medida de suas forças, e que é materialmente impossível determinar a parte que pertence a cada um na produção atual das riquezas”.

Se quiséssemos a liberdade, estaríamos atentos a Bakunin: “Assim, sob qualquer ângulo que se esteja situado para considerar esta questão, chega-se ao mesmo resultado execrável: o governo da imensa maioria das massas populares se faz por uma minoria privilegiada. Essa minoria, porém, dizem os marxistas, compor-se-á de operários. Sim, com certeza, de antigos operários, mas que, tão logo se tornem governantes ou representantes do povo, cessarão de ser operários e pôr-se-ão a observar o mundo proletário de cima do Estado; não mais representarão o povo, mas a si mesmos e suas pretensões de governá-lo. Quem duvida disso não conhece a natureza humana”.

Não. Não conheceremos essas saídas e continuaremos esperando o farol abrir. Com nossos gadgets de última geração, com nossas “revoluções” pessoais na internet, com nossos sonhos de consumo que dizem ser prosperidade, com a miséria que atribuímos à vontade de Deus, com os templos magníficos e os monumentos às aranhas. Jamais teremos como prioridade sair desses labirintos. Enclausurados em nossos cantos, sem poder ir e vir livremente e sem poder determinar os nossos destinos, todas as manhãs, fingiremos que nossa vida é um anúncio de margarina com a família reunida, com a certeza de que sairemos para o trabalho e voltaremos para casa, sãos e salvos, para assistirmos aos noticiários que vedem o desespero, a vontade do Estado, a vontade de outro.

Depois nos esquecemos de tudo diante de mais um capítulo de qualquer novela da vida. Os olhos do menino no farol, a árvore, os incêndios, as enchentes, os Pinheirinhos, os desvalidos, os esquecidos, tudo ficou lá traz, tudo ficou pequeno no retrovisor. E, se porventura nos lembrarmos do farol, daremos graças a Deus por não sermos eles. Quando eu acordo, lembro-me de Bukowski e no que ele pensava enquanto amarrava os cadarços: “Até quando?”.

Fonte : Mário Bortolotto

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