Para os românticos poesia era noite, lua, spleen, infância,
saudade. Os parnasianos introduziram aí uns vasos e uns mármores gregos. Os
simbolistas meteram mais névoa e mais dor ainda. Aí vieram os modernistas, como
uma golfada de sol, e com eles um espírito e alguns termos novos, não
necessariamente "poéticos": pneumotórax, automóvel, adiposidade...
Com a Geração de 45 voltam novamente as noites e as infantas. Todavia, nesta
mesma época, João Cabral, "contra a poesia dita profunda", dizia:
"Poesia, te escrevia:
flor! conhecendo
que és fezes."
Mas essas fezes ainda eram muito abstratas. Aí vem o Gullar
e liquefaz a merda:
"Introduzo na poesia
A palavra diarreia.
Não pela palavra fria
Mas pelo que ela semeia.
Quem fala em flor não diz tudo.
Quem me fala em dor diz demais.
O poeta se torna mudo
sem as palavras reais."
Agora, quando olho pela janela e vejo as nuvens da
imbecilidade se avolumando sobre o país (vamos deixar claro: o fascismo
suscitado pela velha mídia), dá vontade de entrar na Torre de Marfim novamente
e só me envolver com noite, névoa e lua. Mas acontece que a maré de merda ameaça
derrubar os muros desta torre também (Flaubert). Moral da história: não dá pra
fugir da história, este pesadelo do qual estamos tentando inutilmente acordar
(Joyce). Toda poesia, ainda que intente o contrário, é feita com "palavras
reais" e os materiais de seu seu tempo:
"O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens
presentes,
a vida presente."
(Drummond)
Então, camarada poeta, não tem para onde fugir. O jeito é
entrar na luta, mas com as armas que sabemos usar:
"en la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas"
(Leminski)
Otto Leopoldo Winck
[Texto de um ano atrás, que continua -- infelizmente --
atual.]
Otto Leopoldo Winck
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