quarta-feira, 20 de julho de 2016

Para os românticos poesia era noite, lua, spleen, infância, saudade. Os parnasianos introduziram aí uns vasos e uns mármores gregos. Os simbolistas meteram mais névoa e mais dor ainda. Aí vieram os modernistas, como uma golfada de sol, e com eles um espírito e alguns termos novos, não necessariamente "poéticos": pneumotórax, automóvel, adiposidade... Com a Geração de 45 voltam novamente as noites e as infantas. Todavia, nesta mesma época, João Cabral, "contra a poesia dita profunda", dizia:
"Poesia, te escrevia:
flor! conhecendo
que és fezes."
Mas essas fezes ainda eram muito abstratas. Aí vem o Gullar e liquefaz a merda:
"Introduzo na poesia
A palavra diarreia.
Não pela palavra fria
Mas pelo que ela semeia.
Quem fala em flor não diz tudo.
Quem me fala em dor diz demais.
O poeta se torna mudo
sem as palavras reais."
Agora, quando olho pela janela e vejo as nuvens da imbecilidade se avolumando sobre o país (vamos deixar claro: o fascismo suscitado pela velha mídia), dá vontade de entrar na Torre de Marfim novamente e só me envolver com noite, névoa e lua. Mas acontece que a maré de merda ameaça derrubar os muros desta torre também (Flaubert). Moral da história: não dá pra fugir da história, este pesadelo do qual estamos tentando inutilmente acordar (Joyce). Toda poesia, ainda que intente o contrário, é feita com "palavras reais" e os materiais de seu seu tempo:
"O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente."
(Drummond)
Então, camarada poeta, não tem para onde fugir. O jeito é entrar na luta, mas com as armas que sabemos usar:
"en la lucha de clases
todas las armas son buenas
piedras
noches
poemas"
(Leminski)
Otto Leopoldo Winck

[Texto de um ano atrás, que continua -- infelizmente -- atual.]


Otto Leopoldo Winck

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