Sou homem, branco, hétero, de classe média e de formação
cristã. Portanto sou um privilegiado. Por ser homem, branco, hétero e de classe
média, ao andar à noite pelas ruas, meu maior medo é com assaltos. Se fosse
mulher, além de assaltos (e olha que as mulheres são mais vítimas de assaltos
que os homens), me preocuparia também com assédio e estupro. Se fosse gay, por
acaso, não teria a mesma liberdade para demostrar carinho para com meu
companheiro ou companheira. Algo tão simples para héteros, como andar de mãos
dadas ou trocar um selinho em público, não seria tão fácil para mim. Se eu
fosse negro, ah, você sabe "como é que pretos, pobres e mulatos, e quase brancos,
quase pretos de tão pobres são tratados", como disseram Gil e Caetano.
Esses dias estava saboreando um expresso num café de um shopping. Estava de
boa, lendo um livro, sem que ninguém me incomodasse. Aí de repente parei e
pensei que não estava sendo incomodado justamente porque tenho o biotipo típico
das classe dominantes do Ocidente. Se eu fosse negro, ou pobre (isto é, se eu
tivesse "cara" de pobre, o que implica também construções étnicas e
sociais), teria que me haver não raro com olhares hostis. Se fosse mulher,
poderia ser alvo de cantadas ou olhares indelicados. Se fosse gay, e estivesse
com meu namorado ou namorada, teria que reprimir minhas manifestações de afeto.
Se fosse, digamos, muçulmano ou adepto de alguma religião de matriz africana, e
algo em minha indumentária revelasse isso, poderia ser alvo também de olhares
tortuosos. Mas como eu era homem, branco, hétero, de classe média e de formação
cristã, estava ali, curtindo um instante de paz, pois afinal vivo numa
sociedade erigida em torno de privilégios construídos por e para pessoas como
eu. E uma sociedade que tende a naturalizar privilégios de um lado e injustiças
de outro. Parece-nos "natural" que o CEO da multinacional seja branco
e o porteiro do meu prédio mestiço. Isso é tanto verdade que recentemente um
morador de rua em Curitiba, loiro, chamou atenção justamente por ser loiro e
caucasiano, atraindo logo os cuidados que deveriam ser para todos. "E
aí?" -- você pode perguntar. "E o que você tem a ver com isso?"
E aí que, embora gozando de uma posição privilegiada, apenas por ser homem,
branco, hétero, de classe média e de formação cristã, eu quero para mim e para
todos uma sociedade justa, que não discrimine por cor, etnia, gênero,
orientação sexual ou outro motivo qualquer. Para não falar de classe -- pois
neste quesito o que eu quero é uma sociedade sem classes, ou ao menos sem os
abismos pornográficos que dividem as classes em nossa sociedade. E quero isso
simplesmente porque queria ser tratado exatamente da maneira como sou tratado,
sem discriminação, sem olhares hostis, sem medo de ser abordado pela polícia
por conta de minha aparência, ou bolinado, ou ridicularizado por minhas opções
erótico-afetivas.
[Parte de um texto postado ano passado.]
Otto Leopoldo Winck
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