domingo, 16 de outubro de 2016

Júlio Damásio Morreu


O telefone toca uma, duas, três vezes, ele atende:
- Alô!
- Alô, quem fala ?
- Aqui é o Damásio
- Olá, meu nome é Sofia, tenho aqui em aberto uma dívida de cinco mil reais, da financeira Aymoé.
- Desculpe, mas pensava que essa divida havia expirado, tem mais de três anos anos.
- Expirou? Como assim.
- Caducou minha jovem.
- Ela esta bem sadia da cabeça, continua o registro de débito, senhor!
- Hum... pensei que o tempo, mas não convém discutir legislação, eles as mudam tão logo o povo tem conhecimento de seu direito. De qualquer forma isso não tem mais valor.
- Tem sim, e aumentou muito, mas estamos dispostos a ...
- Não me refiro ao valor monetário, querida.
- Então, vou estar mandando um boleto, no valor de...
- Eu sinto muito, sou José Damásio, Julio Damásio é meu irmão.
- Posso falar com ele, seu José?
- Não!
- Por quê? Como assim? Preciso de uma resposta, onde posso encontrá-lo?
- Lamentavelmente no cemitério. Ele morreu. Perfuração de úlcera, sistema nervoso. Quando vocês deram busca e apreensão do carro financiado, depois de ter pago dois terços do veiculo, ele ficou .... Não que fosse apegado em bens materiais, era artista, mas transportava seus livros no carro, era escritor marginal...
- Marginal?nossa!
- A margem da sociedade querida, era independente. Passou a carregar a literatura nas costas, não suportou o peso desse ideal. Como ele mesmo escreveu em seu epitáfio.
- Epitáfio?.
- Breve Inscrição sobre lápides, em forma de poesia ou prosa.
- Eu sinto muito...
- Eu também, era meu irmão, e era um sujeito bom, sensível, e não por ter sido meu mano, mas era um ótimo contista...primava pelos desfechos de suas historias.
- Então... vou estar a colocar .... me desculpe, vou recolocar o débito no arquivo morto. Mas por formalidade posso lhe estar mandando o valor por e-mail, o senhor pode desconsiderar, pura formalidade.
- Sim. Claro. josedamasio@hotmail. com. Se quiser, assim que eu receber cobrança lhe mando o epitáfio do meu irmão, tenho aqui o arquivo.
- Com certeza, quero! Mandarei já!
- ...
- Recebeu?
- Estou lendo ... terminei... É muito triste!
- Não chore, menina.
- Tá... Sim! Foi muito tocante, me emociono com essas coisas, ele escreve muito bem, quer dizer escrevia.
- Nosssa!!!
- Que foi seu José?.
- Esse valor e de matar!
- Eu sei...
- Mas agora ele já está morto. De deve estar num mundo encantado pelas letras. Mas se quiser procure prestigiá-lo, compre um livro dele nas livrarias Curitiba, deve ter algo encalhado. Sua morte também não teve publicidade, senão teria vendido todos os livros. Se foi discretamente, como quem saí a francesa de uma festa. Nem uma nota do principal jornal da cidade, pelo menos, não no caderno de cultura, apenas um obituário em um pequeno jornal.
- Obituário?
- Nota de falecimento no jornal!
- Na frente da minha faculdade tem uma livraria,
- Se for qual penso, não perca tempo, lembro que meu irmão voltou dela e me disse que o dono dessa livraria alegou não ter espaço pra novos autores independentes.
- Tá, eu vou procurar os livros dele. Felicidades pro senhor, seu José. Fique com Deus, e seu irmão, que esteja com ele, eu vou comprar um livro dele...
- Obrigado, suas palavras são reconfortantes, bom trabalho, que eu também tenho que os meus afazeres agora.
- Mas uma vez eu sinto muito, me desculpe, tchau...
E assim, Julio Damásio desligou o telefone, foi escrever mais um continho para finalizar seu novo livro, ficando livre de outras ligações de cobrança, pelo menos daquela financeira.


Fonte : Jornal Rascunho

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