Luiz Felipe Leprevost
uma espécie de nudez no hálito. o sangue latejando qual
lama. fazia com a língua a barba da minha boceta. gostava de gozar nele. depois
ele deitava a cabeça na minha boceta. colava o ouvido na minha boceta. fechava
os olhos. o pulso relaxado depois de saciados. me tocava e eu era tocada por um
oceano desabado. era tocada feito um violão pelas mãos de um negro muito velho
e experiente. entre a mesa e o sofá, garrafas de veneno vazias de respirar
nossas bocas. despia meu vestido, minha pele, meu cheiro. tirava brincos, a
tornozeleira. colocava com calma e precisão meus tornozelos deitados. se
escorava onda de praia braba em minhas costas. beijava as omoplatas abertas ao
voo. eu não voava, ele segurava com força as rédeas dos cabelos. ele era uma
quilha num ritual de navegação, penetrava, rasgava dentro. o desejo é um
tubarão com trinta mil mandíbulas de vidro estilhaçado. ele cavou a terra que
envolvia meus olhos, arrancou as raízes. me vendou com a tarja espinhosa da
treva. comeu meus olhos. um cafuné e fui devastada. aprendi que não adianta
arremessar pássaros no abismo. agora é areia o rosto dele, as sardas perdidas
no vento, a ferocidade do contorno da sua boca. um sorriso desamparado, águas
duras arrebentando no coral dos dentes. a noite chove lâminas. sombras se
infiltram. jorram urubus de um fogo engordurado de serração. o fogo oculta o
que devora. sei de uma paralisia estilhaçada a morrer dentro de tramas e
trapaças. o chão, o pó dos móveis, têm pena de mim. o fuzilamento das vísceras
desesperam na inércia. tudo é o inverno do soluço. é mais que passada a hora de
recolher brincos, tornozeleira, roupas, pele, odor, camisinha estourada, o saco
de lixo do banheiro. jogar tudo na rua pro lixeiro levar pra junto dos urubus
de outros amores estragados, essas coisas que não são recicláveis mas tem gente
que come
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