sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Reticências

Hirondina Joshua




Pediram-me para que explicasse um poema. Ora, ora coisas destas me fazem anoitecer no silêncio. Gelam congelam a subtileza da harmonia pacífica que trago entre os dedos, os pés das mãos, as alças do olhar; muito antes de qualquer letra que forma a palavra decifrada pela retina rítmica da íris, pupila: anatomia do olho; física da visão. Existe uma outra palavra sem voz; muda distante dos ouvidos dos seres audíveis, minúscula na cólera do tempo, sem sílabas; nem pauta para solfejo. E esta me faz em eternos instantes dona do céu.
Insisto nesta pena legítima mais uma vez; de não saber se digo ou se me calo.
A escrita poética é para mim uma verdadeira extensão dos mundos.
Não estes galáticos mas aqueles que têm força de lei na razão primordial da existência cladestina que se rouba dia após dia.
Explicar um poema é escandalizar a existência singular: o destino plural da Vida.
Pode-se dizer: “Ave na língua, fogo nos sentidos”. De vários modos isto pode ser olhado. A poesia é um gênero onde uma realidade pode tomar inúmeros sentidos, onde os sentidos podem ter uma realidade diversa. Esta característica amorfa, este mistério, ministério consagrado pela poesia traz-nos dentro outros Orgãos de Sentido. Outras formas, outros mundos em viagens sem ida nem regresso.
Explicar um poema é traçar distâncias, fronteiras abstractas. Vandalizar a língua própria do Ser.
Deixem a poesia respirar na casa de cada sensibilidade; na sensibilidade das suas casas.

Inédito in “Reengenharias”


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