Hirondina Joshua
Pediram-me para que explicasse um poema. Ora, ora coisas
destas me fazem anoitecer no silêncio. Gelam congelam a subtileza da harmonia
pacífica que trago entre os dedos, os pés das mãos, as alças do olhar; muito
antes de qualquer letra que forma a palavra decifrada pela retina rítmica da
íris, pupila: anatomia do olho; física da visão. Existe uma outra palavra sem
voz; muda distante dos ouvidos dos seres audíveis, minúscula na cólera do
tempo, sem sílabas; nem pauta para solfejo. E esta me faz em eternos instantes
dona do céu.
Insisto nesta pena legítima mais uma vez; de não saber se
digo ou se me calo.
A escrita poética é para mim uma verdadeira extensão dos mundos.
Não estes galáticos mas aqueles que têm força de lei na
razão primordial da existência cladestina que se rouba dia após dia.
Explicar um poema é escandalizar a existência singular: o
destino plural da Vida.
Pode-se dizer: “Ave na língua, fogo nos sentidos”. De vários
modos isto pode ser olhado. A poesia é um gênero onde uma realidade pode tomar
inúmeros sentidos, onde os sentidos podem ter uma realidade diversa. Esta
característica amorfa, este mistério, ministério consagrado pela poesia
traz-nos dentro outros Orgãos de Sentido. Outras formas, outros mundos em
viagens sem ida nem regresso.
Explicar um poema é traçar distâncias, fronteiras
abstractas. Vandalizar a língua própria do Ser.
Deixem a poesia respirar na casa de cada sensibilidade; na
sensibilidade das suas casas.
Inédito in
“Reengenharias”
Nenhum comentário:
Postar um comentário