sábado, 20 de junho de 2015

Um Chapéu para o Crepúsculo


“Mas o que vou dizer da Poesia?
O que vou dizer destas nuvens, deste céu?olhar,olhar,olhá-las, olhá-lo, e nada mais.Compreenderás que um poeta não pode dizer nada da poesia. Isso fica para os críticos e professores. Mas nem Tu, nem eu, nem poeta algum sabemos o que é a poesia.”
Federico Garcia Lorca

Antônio ou Bernardo ou Miguel. Não lembro seu nome. Ele escrevia um poema há 30 anos e não o havia terminado. Faltava a percepção particular do momento secreto em que a madrugada, desnuda e ousada, pretendia vestir-se de amanhecer. Os amigos o chamavam de caçador de crepúsculos. Outros de maluco mesmo. Assim, quinta para sexta ou sexta para sábado ou desde qualquer madrugada suspeita de tresloucadamente converter-se em amanhecer, podíamos ver Antônio ou Bernardo ou João- já disse que não lembro o nome dele – entretido em conversas várias, menos sobre amanheceres ou fracas luminosidades, pois os seus amigos eram loucos de outra categoria, esperava a visão do que lhe faltava, para terminar o angustiado e reluzente poema. Não sei, se por ato contumaz, dos líquidos entorpecedores – destilados, fermentados, bebidas caseiras – ou por traição abusada do próprio corpo – consciente de que esperar um amanhecer é obra de propensos suicidas ou loucos pouco confiáveis – a verdade é que, o crepúsculo era testemunha do sono desesperado daquele homem e nem ele nem eu, poderíamos dizer se Antônio, Pedro ou Miguel sonhava com ninfas de beleza inebriante, com pacotes de dinheiro ou lingotes brilhantes de ouro ou com a fraca luminosidade que precedia o amanhecer.


Julio Almada

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