“Mas o que vou dizer da Poesia?
O que vou dizer destas nuvens, deste
céu?olhar,olhar,olhá-las, olhá-lo, e nada mais.Compreenderás que um poeta não
pode dizer nada da poesia. Isso fica para os críticos e professores. Mas nem
Tu, nem eu, nem poeta algum sabemos o que é a poesia.”
Federico Garcia Lorca
Antônio ou Bernardo ou Miguel. Não lembro seu nome. Ele
escrevia um poema há 30 anos e não o havia terminado. Faltava a percepção
particular do momento secreto em que a madrugada, desnuda e ousada, pretendia
vestir-se de amanhecer. Os amigos o chamavam de caçador de crepúsculos. Outros
de maluco mesmo. Assim, quinta para sexta ou sexta para sábado ou desde
qualquer madrugada suspeita de tresloucadamente converter-se em amanhecer,
podíamos ver Antônio ou Bernardo ou João- já disse que não lembro o nome dele –
entretido em conversas várias, menos sobre amanheceres ou fracas luminosidades,
pois os seus amigos eram loucos de outra categoria, esperava a visão do que lhe
faltava, para terminar o angustiado e reluzente poema. Não sei, se por ato
contumaz, dos líquidos entorpecedores – destilados, fermentados, bebidas
caseiras – ou por traição abusada do próprio corpo – consciente de que esperar
um amanhecer é obra de propensos suicidas ou loucos pouco confiáveis – a
verdade é que, o crepúsculo era testemunha do sono desesperado daquele homem e
nem ele nem eu, poderíamos dizer se Antônio, Pedro ou Miguel sonhava com ninfas
de beleza inebriante, com pacotes de dinheiro ou lingotes brilhantes de ouro ou
com a fraca luminosidade que precedia o amanhecer.
Julio Almada
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