sábado, 14 de novembro de 2015

Não totalmente francesa


Soam
sob o silêncio
da noite da cidade
de Paris
A língua-fetiche
de Jeanne Duval
- a "Vênus negra"
de Baudelaire
a língua
dos poemas negros
de Tzara
a língua da ilha-litania
de Aimé Césaire
A língua-balafong
de Sèdar Senghor
a língua franca
de um Orfeu Negro
ou muitos
conforme ouvida
por Jean Paul Sartre
a língua sem máscaras
brancas
de Frantz Fanon
A língua-música
sem vibrato
de Miles Davis
a língua toda sol
de Henri Salvador
a língua-sound system
do MC Solaar
a língua-exílio
de Richard Wright
a língua do canto-exílio
da Josephine Baker
figurada em fio de ferro
por Alexander Calder
a língua-duplo exílio
em terra estranha
de James Baldwin
a língua-zona de fronteira
de Patrick Chamoiseau
a língua dos três rios
que correm nas veias
de Leon-Gontran Damas
a língua errante
do caos-mundo
de Édouard Glissant
A língua da estrela
que brilhou uma só vez
de Depestre
a língua da estrela púrpura
de Rabearivelo
a língua dos pequenos
contos negros
também para crianças brancas
de Blaise Cendrars
A língua da Marselhesa
convertida em samba
por Clementina de Jesus
no Olympia
anterior à fadiga
de todas as línguas
A língua dos que
ninguém nunca ouve - não
totalmente francesa

(poema do Ricardo Aleixo, no livro Modelos vivos, 2010)

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