Tem horas que a gente simplesmente pensa em mudar tudo.
Recomeçar a vida do nada. Esquecer os livros que já leu, as mulheres que
passaram pela vida, os amigos que nos ampararam, os barulhos que nos
incomodaram na noite. Só não penso em esquecer os textos que escrevi. E quando
releio os textos, lembro dos livros, das mulheres, dos amigos e de todos os
barulhos noturnos. Eles continuam lá como fantasmas que mexem em nossos
chinelos em cima da poltrona. E é isso que me impede. Os negócios que escrevi
ao longo desses anos. A escrita me aprisiona. A escrita me aproxima e me afasta
de Deus. A escrita me desperta e me nocauteia. Tenho tido várias decepções na
vida, mas a escrita é a única que não me decepciona nunca. Ela sempre esteve a
serviço de minhas explosões de alegria, de minhas obsessões, de minha submersão
na tristeza mais profunda, nos meus rompantes de renascimento. A escrita é
minha mais fiel amiga, namorada, companheira e minha inimiga mais leal. Posso
perder tudo, mas não posso perder a capacidade de me emocionar e de escrever. O
resto é essa vontade de olhar os carros passando pela estrada, um rock do
Lynyrd Skynyrd na cabeça e a possibilidade de um novo poema. E me parece mais
do que o suficiente.
(Mário Bortolotto)
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