quinta-feira, 20 de novembro de 2014

psicogeografia


vi a casa onde o vi pela vez primeira
era quase noite e havia café na mesa
um menino de vinte e poucos anos
e eu me sentia tão senhora
era só uma mulher a ignorar
que dali trinta anos eu iria amá-lo
vi a casa e pensei em viagens no tempo
pela luz de alguma estrela, voltar a pisar tua casa
dizer com voz delicada e sem poesia
- dá-me tua boca, amor!
e então soaria como vaticínio
os poetas são - os fingidores -
e te amar agora traz a maldição de Pessoa
a "dor que deveras sinto"
a dor que me devora
a dor de não soar como eternidade
o amar severo e firme
o amar décadas depois
o menino que brinca na cabeceira da mesa
de uma cozinha quase às escuras
e lembrando nossos encontros raros
você sempre espanta o sol
tem sempre neve, bruma, luz amena
acho que a tua alma solar
clareia mais que a estrela-mor
ontem eu vi aquela casa
e te desejei de novo, com tanta poesia
que quase toquei tua mão pousada na toalha
com o mesmo desejo daquele encontro atual
de tomar tuas mãos largas acima da mesa
e dizer suave como se fosse ordem:
- dá-me tua boca, amor!

Bárbara Lia

Nenhum comentário: