Luiz Felipe Leprevost
é de tarde e os pássaros são os únicos que abalam o silêncio
aqui em Santa Felicidade. às vezes o motor de uma moto ao longe. mais ao fundo
ainda alguns poucos fogos no ar. na sala badala o relógio na parede.
tudo começa com a vontade de escrever um poema, com ter que
escrever quando eu deveria ir com os preparativos para hoje a noite
é o último dia do ano e eu sei que vou abraçar meus pais
mais o filho do meu irmão e a sua mãe que estará conosco hoje a noite. para
isso, não preciso me preparar, dar e receber abraços é algo que sabemos desde
sempre
entendo a mitologia das cores e devo ir à festa de camisa
rosa, a mais romântica delas. embora eu saiba que vou me sentir gordo, meio
palerma e fora de ambiente para as fotografias
sem contar o tormento do verso da canção do Djavan, que tem
anos insiste em grudar na minha mente sempre que o festejo se aproxima. é um
verso que me parece estar entre o risível e o bonito. risível pela afetação.
bonito pelo inesperado, pelo surpreendente da imagem. eis: quando o grito do
prazer açoitar o ar, reveillon
açoitar o ar. quer saber, eu trocaria todo o barulho, a
euforia dos fogos e o espocar das champanhes por algumas horas de paz dormindo
encaixado em você, saciado, assistindo você dormir como se não fosse um mundo
cheio de injustiça, solidão e desespero o que está lá fora. mas juntos
provaríamos o contrário. e assim, sem palavras, falaríamos sobre o entendimento
humano.
o tempo cura ou não cura as feridas? é em nossa corrente
sanguínea que o tempo se renova. gosto de saber do sol que o meu rosto já foi
para algumas pessoas. gosto de ter notícias da sinceridade terna que vez por
outra enxergam em meus olhos
de todos que já acreditei ser não sei bem com qual dos Luiz
Felipe termino este ano. mas sei com qual deles começo, começo sem começar, é
verdade, porque a coisa toda só continua, não tem nada disso de zerar, tudo é
um fluxo e ninguém deixa de ser o que é de um dia para o outro. o que tem de
bonito nesta data é mais uma das invenções dos homens, que organizaram o tempo
em meses e anos para ter onde se segurar. tem a ver, imagino, com um tipo de
organização da vontade. tem a ver com crença. tem a ver com invenção, que
talvez esteja entre o que temos de melhor nessa fodida vida. por isso afirmo
que começo com aquele que acredita. com o que acredita. pois a esperança ainda
tem de ter o tamanho dos meus amigos. a esperança ainda tem de ter o tamanho da
minha família. o tamanho do meu amor. bom, por que ter medo desses lugares
comuns se eles ajudam a viver e, apesar deles, haverá ainda muito mistério,
muita surpresa, muita mudança, muitos passos no escuro pela frente. querer eu
quero ser especial, mas sou como toda a gente que vive neste planeta, falível,
imperfeito e cheio de planos. querendo acreditar e me movimentando para que
daqui em diante as coisas todas sejam melhores
de qualquer maneira, são os 15 primeiros anos deste século
percorridos. é o século debutando. um adolescente é este século. estejamos,
pois, abertos para tudo
daqui algumas horas chegará o momento de algo novo nascer?
tomara. hora de o mar levar oferendas de quem ousar molhar os pés. hora de
ferir o céu com nossa alegria que explode. e se por ventura existir algum deus
no céu dos céus, nesta noite ele não conseguirá dormir, mas saibamos que será
tanto barulho que também não poderá escutar nossas promessas e pedidos. daí
que, como diz a canção cafona mas tão verdadeira, tudo passará a depender, como
sempre, mais uma vez de nós, somente de nós
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