No caminho havia uma parede. No desvio havia o muro do não.
Na montanha uma pedra sagrada intocável que algum profeta deixou há quatro
milênios ou mais. No rio uma barragem desaba no inferno. Na pista de dança os
vidros pontiagudos no chão. Na piscina alguém polvilhou antraz. No poço do
Paraíso um balde de arsênio. Na única árvore do deserto os frutos queimam o
interior de quem os devora e corroem e deixam cada um como uma boneca inflada,
de pele humana e oca. No jardim noturno as corujas são carnívoras. Na pradaria
a grama cheira formol e a terra é o cadáver apodrecido que exala o odor
virulento de nossas almas amaldiçoadas. Os beija-flores não querem o néctar das
flores do último jardim querem as jugulares e voam eletrizados aos pescoços
distraídos com o bico agulha e a sede de mil vampiros. As borboletas cantam e
enlouquecem, pois é o desesperado canto de profundezas negras. Não nascem mais
crianças e o último violino rebentou suas cordas e está atirado em um sótão
sombrio. Apagaram as letras de todos os livros de Poesia e a mente de quem as
decorou e não há mais o encanto da palavra para oxigenar o humano. Os livros
contam apenas as carnificinas da humanidade e são tantos livros de todas as
tragédias que duplicaram o número de bibliotecas. As bibliotecas tem uma aura
densa, pois agora elas guardam os atos cruéis, libidinosos, satânicos, escritos
por robôs alimentados pela própria História. Uma noite um homem com dons de
recuperar memórias sonhou com um poema de Dylan Thomas “Rage, rage against the
dying of the light” e enlouqueceu com a beleza do ritmo e das palavras e pela
certeza de saber que já caminhava pela noite escura e não dava mais para dar um
passo atrás e não penetrar as trevas dos séculos e sentiu raiva dos que
entraram – delicadamente – na noite escura... O louco que conseguiu vislumbrar
um verso, perfurou os olhos e comeu soda cáustica com batatas fritas e brindou
com uma água bege que sobrou do envenenamento das nascentes e, ao vislumbrar um
lugar possível, de lírios e alfazemas, perfume de manhãs, cascatas, cerrou os
olhos docemente como um pássaro que bate, pela primeira vez, as asas.
Bárbara Lia _ 2015
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