Casé morreu comigo
na avenida rio branco
às seis e meia da tarde
num dia que o sol parecia
cortar nossa pele.
Casé era um amigo meu do colegial que eu tinha reencontrado
há alguns dias. Ele engolia literatura no segundo ano e parecia ser uma dessas
pessoas sóbrias que citam Baudelaire num debate político e são cheias de ironia
e sarcasmo embutidos. Nunca falei direito com ele. Passei anos sem vê-lo e
agora ele era como um desconhecido pra mim. Ele tinha se convertido ao islã;
antes disso ficou internado nove meses numa clínica de tratamento para
dependentes químicos. Acho que tinha tido uma vida difícil antes disso, mas
ainda não sei o quê ele foi antes disso.
O ônibus lotado e o peso da tarde cobria o céu da cidade. As
pessoas estavam cansadas naquele dia mais do que em qualquer outro.
Eu disse à Casé sobre minhas dores e sobre como eu odiava
meu emprego e sobre as contas atrasadas. O dia era ridículo. Porquê mesmo
estávamos ali? O sol derretia as esculturas mortas e silenciosas que eram
aqueles pobres humanos cansados presos dentro de grandes ônibus.
- Eu não gosto de sentar, fico de pé porquê daí consigo
enxergar todo mundo. Observar é a minha sina, ver como cada um se move em
direção do abismo; ver como as pessoas se matam, se deixam morrer. Se enfiam
debaixo de vagões inteiros e elas morrem entre os trilhos. - dizia Casé -
Observe, as pessoas são divididas em duas categorias: as que olham pela janela
do ônibus para ver o que há fora e as que tentam enxergar o reflexo de dentro
no vidro. Mas a vida é ridícula para todos, Marcos, todos estão com seus
celulares e com suas coisas que levam nas mãos. As mãos nunca estão vazias,
nunca. E são poucos os que observam como eu, os únicos que observam estão com
fones de ouvido, veja como é ridículo usar um fone de ouvido, se guardar dentro
da sua própria morte. Devem estar ouvindo audiolivros de auto-ajuda com esses
olhos de piedade.
- A vida é uma coisa pequena uns dias e em outros dias ela
parece ser gigante. Mas sempre é perturbador estar vivo entre lírios e
serpentes. É preciso se agarrar na morte, ao menos - dizia Casé. E eu ouvia com
atenção aquele cara como se fosse o meu próprio pai. Porquê ele era louco e
isso me atraía. Porquê ele dizia o que eu sempre quis dizer. Porquê ele era de
escorpião e eu era um rapaz inocente incapaz de entender profundamente
astrologia.
Algumas pessoas se queixam de morrer por alguma coisa que
acreditam, Casé disse que morreria e que não faria diferença nenhuma levar meia
dúzia de gente com ele.. naquele dia a vida era pequena demais e nas cidades desabavam
penhascos.
M.f.
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