Eu me deixei soterrar pelos desafetos, pela honra ancestral
do brasão familiar, pela não poesia
Eu me deixei soterrar por predadores da minha carne, os
homens que não me tiveram Amor
Eu me deixei soterrar pela sociedade faminta de fígados de
Prometeu
Eu me deixei soterrar pela chuva de cólera dos egos
Eu me deixei soterrar pela elite narcísica da cidade estação
tubo dos infernos
Eu me deixei soterrar por todos os – nãos - desde que nasci
Eu me deixei soterrar por podres meninos envelhecidos em
uísque e fumaça de Wall Street
Eu me deixei soterrar pela fúria das mulheres fracas que
sempre enfiaram seus saltos agulha em meu coração enquanto pensavam: Vê se te
enxerga!
Eu me deixei soterrar pela ânsia de dizer – eu sou – e na
ânsia de ser, lavei as botas dos pulhas
Eu me deixei soterrar por verões de escárnio
Eu me deixei soterrar por uma infinidade de narizes
empinados e Cândidos
Eu me deixei soterrar
E no entulho cinza agridoce opaco triste sina de van gogh em
sua catacumba de corvos
E neste entulho com cheiro de esgoto do Rio Belém
E neste entulho acre e sem poesia e chafurdado de – Você
nunca vai ser nossa Helena:
Vai nascer uma flor – a que sou - em uma primavera anis
E uma criança a colherá e a guardará por um dia, apenas por
um dia
E apenas por um dia terei o que a vida soterrada nunca deu
Ou deu, em noites de outono...
A voz do amor à saída da cafeteria: – Tua voz é tão linda!
E as duas vozes fundidas e lindas, enleadas em alguma
estrela, fizeram amor
E ainda hoje fazem e o gozo das vozes são as estrelas
cadentes
Só que o dono da voz não sabe
Bárbara Lia
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