por Ricardo Pozzo
Ela saiu quase derrubando os
copos com cerveja, a terceira discussão da semana, tentaria ele conversar
melhor depois, mas não iria ligar, sabia como eram as coisas...não ia querer
ouvir tudo aquilo de novo, que ela o amava mas sentia-se sufocada, que não
adiantava ele dar presentes e dizer que precisava dela, muito pelo contrário,
que ele era inseguro e que o amor dele era apenas porque ela o fazia sentir
seguro, ela estava cansada de perceber ele olhando para outras mulheres, mesmo
ele negando e dizendo que só ela bastava, o quanto pensava nela, o quanto a
desejava enquanto estavam longe um do outro...e ela já gritando que ele era um
babaca burguês que não se assumia, e ele pensando que não era burguês, era
funcionário de uma revendedora de automóveis, e ela gritando que se ele a amava
teria que amá-la do jeito que ela era e saiu, quase um vulto, daquela mesa de
boteco...ele quis ir atrás, mas melhor era esfriar a cabeça, pensar o quanto
ele a amava...mas ela queria ter espaço, mesmo ele percebendo os olhares que os
homens possuíam ao vê-la e ele nem falava o quanto sentia ciúmes mesmo sabendo
que gostava da sensação de estar com alguém tão admirada que fazia os homens se
contorcerem para ver seu corpo, um corpo que o enchia de desejo e que só ele
possuía...
Sentiu vontade de ligar mas era
melhor esperar até amanhã, era sexta, sábado poderia comprar um colarzinho,
afinal era quase aniversário, oito meses de namoro, de uma paixão avassaladora
que ele nunca sentira antes, desse sentimento que era o de estar muito bem com
alguém a ponto de não querer mais estar
sozinho, talvez, quem sabe, não fosse a hora dele lhe propor que fossem
morar juntos, talvez brigassem menos se
estivessem mais próximos, talvez fosse
saudades, coisa que ele sentia e sentia muito, quase a ponto de irritar-se com
a falta dela...
Pensou novamente em ligar quando
seu celular tocou... eram quase duas da manhã, correu, três toques, no quarto,
olhou o visor... era ela, sentiu o coração bater mais leve...
Atendeu chamando o nome dela mas ninguém respondeu, chamou
por seu nome mais uma vez e parou para ouvir uns ruídos do outro lado, coisas
batendo, a voz de um homem gemendo e
falando baixinho, a voz dela gemendo e dizendo outro nome...
E ele ali, sem poder desligar, de boca aberta, seu
coração batendo eram bombas explodindo, sua mente se fez turva e ele desceu
rapidamente, rompendo os portões do inferno em busca de chão, em busca dela,
deles...e havia um outro homem aproveitando-se daquele corpo e ela sentindo prazer
com esse outro corpo que não o dele e ele já não tinha metade de si, olhando
para a mesinha de centro, enquanto a sala girava e ele sentindo labaredas em
seus gritos que não saíam, enquanto ela gemia baixinho e o homem começava a
berrar...
Reação de quase instinto,
desligou o celular pressentindo algo que não queria realizar, mas já era
tarde...ele com a lança atravessada em seu flanco, lágrimas secas que brotavam
do caos, a indescritível sensação de peso em seu coração e desvanesceu sua
certeza, e desvaneceu sua alegria e sentiu medo e frio, por saber que tinha
sido proposital, por ter sido atingido de modo letal ...sentira todo o desprezo
do mundo...
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