Estou num pequeno templo da alta burguesia curitibana. Tomo
um café expresso. Leio um ensaio sobre Baudelaire. A alguns metros, um casal
muito antigo – ela, de casaco vermelho, cabelo armado tingido de loiro, deve
ter pelo menos 80 anos – cantam New York. Ele toca uma guitarra modernosa,
dessas que tem só o contorno. Ela canta. Até que bem. “O tempo não se deixa
perceber somente através de ruínas e monumentos, mas também por sua ação
corrosiva que ataca tudo, até o novo” – leio. Atrás de mim há uma festa de
criança. Gritos, uivos, choro, pais em polvorosa. Mais à frente, uma jovem
amamenta. Seu rosto transpira frescor e otimismo. A tarde do sábado avança e de
repente, quando me dou conta, é noite – vejo através do teto envidraçado. Não
sei se peço mais um café (é caro, daí minha hesitação), se volto para casa, se
leio mais um pouco. Agora a dupla – seria um casal? – tocam Yesterday, a música
mais executada de todos os tempos. Em Baudelaire se mesclavam amor e ódio à
modernidade que então nascia. Repulsa e fascínio. As coisas nunca são claras. A
gente sempre ama aquilo que odeia. A gente sempre odeia aquilo que ama. Vindo
para cá topei com um rapaz escarafunchando sacos de lixo – no bairro mais rico
de Curitiba. Fiquei constrangido ao passar por ele. Constrangido por ele? Por
mim? Talvez por ver que ele via que eu o via nesta situação degradante. Mas ele
nem ligou. Quem tem fome não se importa com aparências. Um estômago vazio não
quer saber de etiquetas. Temi (sim, temi, vejam como somos egoístas) que ele me
pedisse um trocado e imediatamente me lembrei que não trazia moeda alguma
comigo. No entanto, mais adiante gastei oitenta reais com dois livros. A anciã
canta agora outro clássico kitsch. A modernidade é isto, Baudelaire, um
pastiche de si mesma. As crianças correm, perturbam, como é natural das crianças.
O nenê parou de mamar. As pessoas conversam, sorriem. Sim, aqui nesta ilha
estão protegidas dos noias, da violência policial, da guerra de gangues... Se
queixam da crise mas não conhecem a crise. Talvez tenham um sobrinho morto num
acidente de automóvel ou até um conhecido assassinado num assalto. Mas nunca
saberão o que é ter um filho executado pela polícia. Vou me levantar e me
dirigir até o ponto na Praça Osório, a um quilômetro daqui. Sei que lá fora
está frio e eu não vim agasalhado. Não estou na Paris do século XIX mas na
Curitiba do século XXI. Mas sou, como todos, um homem na multidão. Anônimo.
Sozinho. Perdido. E só tenho esta certeza: nunca serei Baudelaire.
Julho/2015
Otto Leopoldo Winck
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