"Tomei banho e fui à padaria tomar café e ler a matéria
que fala do meu mais novo livro. Sentei-me numa mesa onde o ar-condicionado
sacudia meus cabelos e esperei a garçonete com cara de Natalie Portman depois
de uma temporada na cracolândia me atender: “quer o quê?” perguntou indisposta.
Puta da vida. Semblante de quem foi abandonada pelo marido e está cheia de
dívidas para quitar. “traga um expresso e um baguete de queijo com salada”. Ela
entortou o beiço. Não sei como as pessoas aguentam viver de mau humor. Não sei
como aguentam pegar ônibus e bater ponto todos os dias num emprego que odeia.
Deve ser por isso que muita gente se mata ou entra numa carreira melhor. Entra
no ramo da prostituição, tráfico ou assalto. Vida fácil parece mais divertida.
Entendo a Natalie Portman do amazonas. Quando não se tem talento para o crime
empacamos na sarjeta da escravidão do capitalismo. Aguentamos ganhar uma
mixaria por mês sendo humilhado por um chefe que tranca a porta do escritório e
passa o dia peidando e tocando punheta com o site do redtube aberto. Aguentamos
um cara que dá mais valor para o aro do carro que para seus empregados. A vida é
assim. Não tem piedade. Ela bate forte mesmo e quer que você se foda. Tá nem aí
pra mim ou para você. Tudo certo. Abro o jornal. Começo pelo caderno de
economia até chegar à parte de cultura onde aparece minha imagem num pub de
Uberlândia declamando um poema que tem o poder de tremer o chão no Chile e
esculhambar eletrodomésticos no Irã. Fico contente. Espero que o livro sirva
para alguém. Escrevo para acertar infelizes. Escrevo para aliviar a solidão de
mendigos. Estou pronto para levantar da mesa e pagar a conta no caixa quando a
garçonete cai em prantos “não aguento mais!”. A bandeja de suco com torta de
chocolate cai no azulejo português do recinto e Natalie Portman sai correndo
pelas ruas do bairro Nova Cidade. Por um instante lembro-me daquele filme do
Darren Aronofsky que ganhou Oscar e o caralho a quatro. Tem dias que me sinto
assim. Um pássaro negro sem lugar para pousar. Um cisne negro batendo asas em
nuvens amargas."
Diego Moraes
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