Ela tinha olhos de reticências e seus dedos eram compridos
pontos de exclamação. Debaixo da interrogação negra de suas sobrancelhas, sua
boca era um "o" cheio de promessas. Ele podia escrever uma 'Comédia
humana' inteira de tanto que falava nas conchas marinhas de seus ouvidos. Eram
história de poetas tristes do século dezenove, que fumavam haxixe e tomavam
absinto nas espeluncas mais sórdidas de Paris. Ela ouvia quase sem palavras. O
mundo era belo e trágico e o pecado ainda não fora inventado para eles. A única
angústia era com o tempo que passava e pesava sobre suas costas como uma
condenação ao degredo. Uma hora ele quase chorou. Foi quando tudo se tornou
claro. A vida, que fora horrível antes deles, voltaria a sê-lo depois que
deixassem aquele quarto. Por isso o desespero de viver, o desejo da eternidade
dentro da ampulheta frágil dos instantes. Ela tinha olhos de reticências e ele
um coração cheio de histórias não vividas. E a vida era bela -- e besta --
quando estavam um diante do outro. Como um escândalo silencioso. Ou como o
suave olor do sândalo.
Otto
Leopoldo Winck
Um comentário:
Muito lindo .Parabens
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