sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

MARE NOSTRUM


De noite na praia,
distante de tudo,
eu sou sem história,
tal qual este mar
que me açambarca
por dentro e por fora
em seu ressoar
de origens infindas.
Sem meta nenhuma
nem sequer memória,
tão-somente espero
como glória única
o fraterno olvido
da noite absoluta
que na sentença última
a todos irmana
na comum mortalha
de uma não-história
– assim como o mar
que noite após noite
refunda-se igual
tão vário ele é.
Mar de escuras algas,
volutas em fúria,
no olho de seu vórtice
– êxtase sem gozo,
gozo sem êxtase –
anulo-me lúcido
nos desvãos do tempo,
ébrio de histórias,
bêbado de espaços,
sem vitória alguma,
nem sequer desonra,
pois não há vanglória
quando a glória é vã,
solidário a cada
minúsculo grão
de areia da praia
– conchas trituradas
ao fragor das fráguas
de eras inúmeras.
Mar de deslimites,
fronteiras solvidas,
rotas trajetórias,
cujas muitas águas
não conservam rastros,
nem de encouraçados
nem de frágeis balsas,
e cujo horizonte,
entre o azul e o negro,
se funde com outro
maior horizonte...
Ó mar antiquíssimo,
renovado sempre
e acerca do qual
sem o real traçado
de costas e ilhas,
penínsulas e istmos,
não se fazem mapas,
não se abrem trilhas,
trilhas que entretanto
– lembrar nunca é vão –
volúveis se apagam
no profundo azul
como sóis e luas
em buracos negros.
Ó mar de delírios,
chamados e vozes,
cujos marinheiros
no encalço da vida
não raro com a morte
perdidos se encontram,
mas – principalmente –
grande mar materno,
leito, cova, berço,
fonte inexaurível,
líquido regaço,
o ponto final
de todas as fugas
(devolverás quando,
ó foz insaciável,
os teus muitos náufragos?).
De noite na praia,
a andar solitário,
sou filho do mar,
amante da noite,
e de ondas e brisas
fiel confidente.
Assim, desse modo,
eu, a noite, o mar,
neste instante denso,
tenso, intenso, imenso
– sobretudo imenso –
formamos um tríplice
abraço, um só todo,
um ósculo só
– o mar, a noite e eu –,
elementos díspares
de repente juntos,
finalmente unidos,
consubstanciados,
como outra trindade,
reflexo ancestral
de abissal imagem
já desvanecida
na memória fria...
O resto é o silêncio
e o ressoar do mar
– colossal lamento –
tanto indecifrável
quanto imemorial,
exterior a mim
e de mim tão íntimo.

Otto Leopoldo Winck

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