sábado, 23 de abril de 2016

DEVORAÇÃO” DE FRUTAS

HISTÓRIAS DE UM PIRAIENSE:



(Lauro Volaco)

Ao imaginar escrever este meu texto, pensei em várias cenas da minha infância, numa terra onde muitas coisas eram extremamente fartas, que até pareciam ilimitadas. Mas agora, quando de fato fui escrever, veio uma curiosidade que resolvi investigar, para ser mais autêntico o título que escolhi. Resolvi ver o que significa “devorar”: a) comer muito com avidez e rapidamente; b) consumir depressa; c) tragar, engolir, sumir dentro de si; d) destruir (não deixando restos); e) cobiçar; f) ralar; g) conquistar, absorver; h) afligir; i) percorrer rapidamente; j) ler avidamente; k) sofrer a custo. Pode parecer que sou metido à besta, pois de tantos significados para esta palavra, feita por pessoas brilhantes que conhecem nossa língua portuguesa, nenhuma traduzia o que eu queria lhe transmitir. Assim, sem querer dar uma de professor e para que ela transmita o que eu quero, vou traduzir como “dever de uma oração”. E com muita calma vou explicar por quê: quando era época de frutas em nossa casa e também na chácara, a quantidade era tanta, que o procedimento muitas vezes era de encher um saco e ir para baixo de um caquizeiro muito frondoso que havia no meio de nosso quinta. Lá era onde o tio Rubem montava sua rede de balanço. Então íamos descascando com muita calma cada uma daquelas frutas e as comendo ou chupando conforme o tipo, sem pressa e sem pensar em quantidade a ser consumida. Três coisas eram limitantes: uma era o tamanho do nosso estômago, outra era a preguiça de descascar depois de muitas delas terem sido consumidas, e a terceira era o horário que nosso tio tinha que parar de se embalar para ir trabalhar. As conversas eram intermináveis, onde cada um de nós podia livremente expor seus pensamentos, suas ideias, suas dificuldades, mas, principalmente, repartir nossas alegrias. Ali, meu tio tinha a mesma idade que nós, num processo de total empatia. Tinha momentos que ele percebia o nosso cansaço de descascar uma laranja, por exemplo, e ele fazia isto e nos oferecia, de forma incansável. Era admirável ver sua habilidade e capricho, pois nunca feria a laranja com um corte mais profundo e nunca deixava de tirar toda a casca em uma única peça. Se tivesse um paquímetro, podia medira a largura e espessura da casca retirada: eram idênticas. Nosso cardápio era variado naquelas reuniões familiares na sombra do caquizeiro. As mais consumidas eram a laranja, a mimosa, a tangerina, a mexerica (não tínhamos poncã). Mas também tinham a sua vez as peras e caquis, que eram colhidos e postos no saco; melancia era trazida gelada e cortada em fatias, para serem repartidas ilimitadamente; as frutas mais delicadas vinham em cacho, como as ameixas e nectarinas; outras vinhamem cestos menores, como os figos.
Mas o que eu quero transmitir com o meu próprio conceito de “devoração”, está relacionado com o prazer proporcionado pela fartura destes alimentos, o agradecimento aos céus por podermos conviver naquela harmonia familiar e num ambiente de extrema beleza, sentados no chão de terra. SEM PRESSA!



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