HISTÓRIAS DE UM PIRAIENSE:
(Lauro Volaco)
Ao imaginar escrever este meu texto, pensei em várias cenas
da minha infância, numa terra onde muitas coisas eram extremamente fartas, que
até pareciam ilimitadas. Mas agora, quando de fato fui escrever, veio uma
curiosidade que resolvi investigar, para ser mais autêntico o título que
escolhi. Resolvi ver o que significa “devorar”: a) comer muito com avidez e
rapidamente; b) consumir depressa; c) tragar, engolir, sumir dentro de si; d)
destruir (não deixando restos); e) cobiçar; f) ralar; g) conquistar, absorver;
h) afligir; i) percorrer rapidamente; j) ler avidamente; k) sofrer a custo.
Pode parecer que sou metido à besta, pois de tantos significados para esta
palavra, feita por pessoas brilhantes que conhecem nossa língua portuguesa,
nenhuma traduzia o que eu queria lhe transmitir. Assim, sem querer dar uma de
professor e para que ela transmita o que eu quero, vou traduzir como “dever de
uma oração”. E com muita calma vou explicar por quê: quando era época de frutas
em nossa casa e também na chácara, a quantidade era tanta, que o procedimento
muitas vezes era de encher um saco e ir para baixo de um caquizeiro muito
frondoso que havia no meio de nosso quinta. Lá era onde o tio Rubem montava sua
rede de balanço. Então íamos descascando com muita calma cada uma daquelas
frutas e as comendo ou chupando conforme o tipo, sem pressa e sem pensar em
quantidade a ser consumida. Três coisas eram limitantes: uma era o tamanho do
nosso estômago, outra era a preguiça de descascar depois de muitas delas terem
sido consumidas, e a terceira era o horário que nosso tio tinha que parar de se
embalar para ir trabalhar. As conversas eram intermináveis, onde cada um de nós
podia livremente expor seus pensamentos, suas ideias, suas dificuldades, mas,
principalmente, repartir nossas alegrias. Ali, meu tio tinha a mesma idade que
nós, num processo de total empatia. Tinha momentos que ele percebia o nosso
cansaço de descascar uma laranja, por exemplo, e ele fazia isto e nos oferecia,
de forma incansável. Era admirável ver sua habilidade e capricho, pois nunca
feria a laranja com um corte mais profundo e nunca deixava de tirar toda a
casca em uma única peça. Se tivesse um paquímetro, podia medira a largura e
espessura da casca retirada: eram idênticas. Nosso cardápio era variado
naquelas reuniões familiares na sombra do caquizeiro. As mais consumidas eram a
laranja, a mimosa, a tangerina, a mexerica (não tínhamos poncã). Mas também
tinham a sua vez as peras e caquis, que eram colhidos e postos no saco;
melancia era trazida gelada e cortada em fatias, para serem repartidas
ilimitadamente; as frutas mais delicadas vinham em cacho, como as ameixas e
nectarinas; outras vinhamem cestos menores, como os figos.
Mas o que eu quero transmitir com o meu próprio conceito de
“devoração”, está relacionado com o prazer proporcionado pela fartura destes
alimentos, o agradecimento aos céus por podermos conviver naquela harmonia
familiar e num ambiente de extrema beleza, sentados no chão de terra. SEM
PRESSA!
Nenhum comentário:
Postar um comentário