sábado, 23 de abril de 2016

PARA UM MENDIGO TABAGISTA

Ontem eu caminhava pela rua e fui abordado por um mendigo que, com muita educação, pediu-me um cigarro.
Dei todo o maço e comprei outro, chegando em casa chateado, muito chateado, e nasceu esse poema:




Perdão.
Perdão por todas as ausências que te causei,
As refeições que subtraí, os sorrisos teus
Que arranquei, as esperanças que fiz mortas.
Perdão por ter te arrancado do útero
Quando tão bem dormias o sono do anônimo,
Desconhecedor do que te faltaria, subtraído.
Perdão pelo céu sombrio e as nuvens pesadas,
As mãos sempre estendidas e o olhar triste,
Ornado de humilhação e medo, de assombro
Diante do que perto viceja, mas inalcançável.
Perdão pelos teus dias que se repetem, frios,
Burocraticamente sem novidades, os mesmos,
Como se marcados na ausência de calendários.
Perdão pela dureza das calçadas e bancos,
Improvisadas e ocasionais camas estendidas
Sobre olhares de recriminação e preconceito.
Perdão pelo que te aflige e descaracteriza,
Reduzindo a este espetro errante e sujo
Perambulando caminhos descoloridos,
Em manhãs sem sol e sem viço,
Aguardando a noite e a milenar solidão,
Feita com a indiferença dos passantes,
Como se não existisses humano,
Mas parte da paisagem que te oprime
E envergonha, envergonhando-me
Diante de ti sem quase nada,
Sorrindo agradecido por um simples cigarro.
Perdão, meu irmão, perdão.
Francisco Costa

Rio, 22/04/2016.

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