a menina atravessa a rua
eu te
fecundaria com um simples pensamento de amor,
ai de mim!
mas ficarás com teu
destino.
vinicius de
moraes
está gravado numa árvore,
ou leio em bula de remédio,
ou ignoro no aviso do veneno:
esta árvore sem asas, de pedra
faz nas pernas dela
seu ninho de carne indormida.
mas ela não me sabe.
é como se o sol
que súbito nascera em seu lábios
se pusesse agora em suas coxas.
como se a paisagem do fim de tarde
que no jogo teso
de
tentativa e erro
antes de concluída a noite chegasse
ao lume preto de seus cabelos,
chegasse
também ao susto de seus peitos.
a menina atravessa a rua
como quem caminha para dentro
de sua própria nudez.
ela
pistilo de flor que deflora
mal-me-quer
arroxeado amor-perfeito
no fundo do peito
no canto da razão
no canteiro de pelos.
ela
a grife sem roupas
o arabesco
a tatuagem no osso
uma espécie de murro
outra mordida
na maçã
mordida.
ela,
com botas sete-léguas
atravessando a vida,
não sabe que me atravessa.
(tal o ônibus em que se vai dentro
e atravessa a noite?
tal a rua à noite que atravessa
a cidade em que se perde?)
ela passa, pássaro líquido,
e transborda ao que vejo,
sozinha no coração de tudo quanto vejo,
ela passa...
e se eu –
do alento certo na tristeza,
do chão firme às quimeras –
lhe dissesse como maiakóvski:
deixa-me ao menos
arrelvar numa última carícia
teu passo que se apressa?
mas nunca ouvirá
o que não lhe digo.
ela passa,
entre carros e gente,
ela passa, pássaro líquido,
contemporânea
de si
mesma.
está gravado numa árvore,
ou leio em bula de remédio,
ou ignoro no aviso do veneno
(no letreiro néon que já se acende
na avenida):
sua pressa, feito uma onda
de impacto,
faz da boca da noite
(solar como a urina)
esta ante-
aurora
Rodrigo Madeira
(sol sem pálpebras, 2007)
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