Há um nódulo na quinta-feira. Dizer adeus faz caírem meus
cabelos. A verdade é uma lâmpada falha num quarto cheio de moscas, mas a
esperança, sobre as águas da febre, tem a pertinácia da cortiça. O tédio é a
pior forma de tristeza.
Eis que algo no sol fratura o que somos sob o sol. O dia
mija luz nas coisas e fere e fede e ilumina um jardim de absurdos: borboletas
com caules, gerânios asmáticos, orquídeas menstruadas, margaridas que suam,
lírios que sangram, girassóis cujas corolas são ânus. O sol brilha também sob
minha pele.
O ronco dos carros é quase uma fuga de bach. Beatífico,
anuncia a metástase de um silêncio. Quando o pôr-do-sol vazar feito um vagaroso
sangramento de nariz, haverá um segundo para nos olharmos, e no aço dos ossos
florescerão pátinas e tétano, e na medula correrá a seiva elétrica das plantas
que não existem.
Com um estetoscópio de marfim, ausculto a parada cardíaca
das pedras. Meço a pressão arterial e a solidão da chuva.
Entardeceu. Deito-me sobre as pastagens tauríferas, verde
como o escolar de van gogh. Deixo o vento definir meu nome. Se me levanto, é
meio-dia: há uma praia caminhada de ninfas que tatuam o sol sobre a pele. (Elas
sorriem como o mar, puxando, puxando...)
À noite, quando se morre mais de uma vez, a alma (esta
ficção) faz guarida como um abajur no escuro. Todas as chaves perderam seus
dentes, e não importa. Significar algo é brutal como empalhar uma criança.
Estou alegre como quem anda descalço. Estou alegre como quem
sobe o telhado. Ouço o sermão das nuvens. Ou me sento à mesa, corto um pedaço
do peixe e já não digo nada, a boca cheia de silêncios: quais frutos velhos, as
palavras estão abertas sobre a terra. Jogo longe minha flauta. Maré, por
exemplo, cognoscível apenas pelo cheiro. As árvores, por meio do voo das aves,
conversam entre si na distância imensa.
Respirar é minha única religião.
Rodrigo Madeira
(pássaro ruim, 2009)
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