de camisa aberta
em frente a mim mesmo.
o espelho é a prisão profunda
de que somos vigias e presos,
condenados e carcereiros.
e no entanto o homem
é observado, triste alimária
de si mesmo. e no entanto
milhões de olhos o observam
atrás deste – de todos – os espelhos.
e no entanto (otnatne on e)
nada há de mais solitário
que o homem (povo estranho
e ninguém) num espelho.
2
nu, já vai
vestido
em pesada couraça
de nudez: imagem
linguagem
solidez permanente-
mente
líquida
apertar
a visão:
homem
inseto
árvore
num espelho
quantos
estilhaços
cabem?
3
o espelho de um narciso apóstata
reflete nos olhos suas costas.
o anonimato é a fundação
de meu espírito, arco árabe
de meu rosto. sou anônimo
como um cão vira-lata
condecorado com sarna, chagas,
laureado de moscas.
sou mais belo agora, cicatrizando
o tempo na carne a carne nas horas
do que quando fui belo bela criança
que se olhou no espelho de casa
como pássaro bebendo água (ingênuo
de imagem e essência) na poça.
superfície burra, sincera, óbvia,
ser é sermos é seres é: ?
4
o espelho, coisa mágica do vazio,
feito a arte, inventa volumes,
minha imagem é feita de carne
doce e arredia como perfume.
5
também reflito o espelho (eu, outro)
quando não há nada em sua frente.
o espelho, raso um bilhão de abismos,
fez-se a porta para a liberdade –
o espelho espelha a cidade,
o espelho raso como a página –
(vejo minhas vísceras no espelho)
infinito afora, além, por dentro
Rodrigo Madeira
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