"Eu podarei com meticuloso cuidado as ramificações os
alvéolos que despencam do seu pulmão-efisema perguntarei sobre a bronquite da
sua gata te ensinarei remédios caseiros passarei receitas de xaropes milagrosos
indagarei se parou de fumar você tossirá com certa discrição abafando o som com
a mão enquanto muda de assunto farei um relato detalhado de um homem jovem que
morreu pelos malefícios do cigarro perguntarei se esse ano tomou a vacina da
gripe me convencerei da urgência de discutir o estado físico das nuvens
reclamarei da indelicadeza e da falta de tato dos machos narrarei as peripécias
do meu porquinho-da-índia conversaremos banalidades como a marca do pó de café
ou a alta exorbitante dos preços das amêndoas importadas você dirá que sempre
preferiu as nozes nacionais eu concordarei com a cabeça convicta porque hoje eu
apenas falo de amenidades de coisas que andam e florescem de jardins nos
centros das pequenas cidades opinarei sobre a cor do seu rush e sobre seus
olhos pintados confessarei que gosto das nuances lilases perguntarei se o sopro
no coração desapareceu indagarei com leve riso nos lábios se as suas amídalas
continuam inchando no início do verão reclamarei um pouco que a minha gastrite
voltou a queimar e que o médico mandou que eu continuasse com o omeprazol
interrogarei sobre as cadelas sarnentas que costumavam aparecer na sua rua
perguntarei sobre as aventuras das suas primas siamesas perguntarei se o seu
padrasto ainda trabalha na fábrica de caixões recitarei um poema aos mortos
perguntarei com ingênua preocupação sobre a saúde frágil de seus pais
mencionarei as cirurgias constantes de velhos que utilizam o marca-passo
admirado como eles se recuperam rapidamente falarei numa retórica convincente
sobre um estudo revolucionário para acabar com as ferrugens dos laranjais ou
citarei em arroubas quantas laranjas foram perdidas no ano passado estenderei
minhas mãos de nervos saltados fingirei normalidades fingirei um afeto que
desconheço"
Marcia Barbieri
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