segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

HISTÓRIAS DA MINHA INFÂNCIA

Quando meus irmãos e eu éramos crianças, o meu vô Raul tinha uma bodega. Ali se vendia de tudo e ele, para dar a impressão de que seu estoque estava bem sortido, enchia as prateleiras com latas de óleo vazias. Certa vez um senhor, morador no sítio para fazer o seu fornecimento alimentício e pediu ao meu avô seis latas do produto, mas como todas estavam vazias, o seu Raul passou vergonha.
A vó Cacilda judiava dele, esperava que ele dormisse, pegava a chave do armazém e se divertia, pegava tudo o que queria. Como ele era muito seguro, sovina mesmo, não nos dava uma bala sequer, mas a vovó em suas idas sorrateiras pegava à vontade os cobiçados doces para nos dar. No dia seguinte, era uma guerra na casa deles, e isso era quase que diariamente.
Uma vez, o vô Raul enterrou dinheiro dentro de uma lata de “Neston”, embaixo da casa da tia Cleici, mas o Cliceu (Zico) viu e contou pra vó Cacilda. Ah! Não deu outra, à noite ela foi lá, catou o dinheiro e enterrou a lata vazia. Dias depois o vô foi pegar o dinheiro, e cadê? Gente! Eles quase se mataram. E a vó era cínica, ela negava e ainda saía de coitada.
O vô tinha vontade de chupar sorvete, mas ele era tão sovina, que chupava gelo com açúcar. Quando ele tinha vontade de comer frango assado, ele armava uma arapuca e comia passarinho, pombas... o que ele conseguisse caçar. Mas sempre foi muito honesto, nunca deveu um centavo pra ninguém.
Ele gostava de falar sozinho, e meu Deus! Tinha uma boca suja.
A vó era mão aberta. O que ela tinha não era somente dela, gastava antes de ganhar.
Sua casa era impecável: sempre arrumada com pratarias, porcelanas, bibelôs de cristais.
Colchas “chiquérrimas nas camas.
Eles eram o sol e a lua de tão diferentes. A vovó gostava de presentear, e vovô não.
E é disso que sinto falta: ele não nos dava um doce se fôssemos pedir, o jogava no meio da rua de bravo que ficava, mas nos dava colo, contava histórias por horas a fio, contava os causos de quando era criança, benzia as pessoas, curava de sapinho.
Eu sinto muita falta dele, pois para mim ele foi um herói, porque na sua simplicidade havia aconchego.
A vó Cacilda era de família rica, tocava piano, tinha etiqueta. O vô era de família de bugre: simples, coração grande.
De um lado era a “alemoa”, chique, grã-fina , inteligentíssima e do outro o bugre, cheio de conhecimentos da vida.
Mas ele foi sacana também, quando já estavam casados, morando em Jacarezinho, ele foi transferido para Piraí e veio antes dela. Quando ela chegou aqui, o malandro já estava noivo.

Adivinhem se não brigaram?

(Jusley Sabino)
COLETÂNEA DE CAUSOS, CRÔNICAS E POEMAS "PIRAÍ DE ANTIGAMENTE"

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