domingo, 18 de setembro de 2016

'Brasilha’ da fantasia


*
Ninguém acorda com culpa na Ilha da fantasia,
ninguém se sente culpado na ilha da fantasia
e não ser de todo inocente
é sempre muito normal na ilha da fantasia.
Na ilha da fantasia não interessam
os olhos inocentes dos filhos antes de dormir
os filhos apontados na rua
o que dirão os colegas na escola
e as crianças dos vizinhos.
Não fere arde envergonha
o olhar confuso das crianças
ao ler o que sai nos jornais.
Vamos ao que importa na ilha da fantasia:
a gratificação a estabilidade
a comissão as garantias
o adicional os benefícios
os 18% que me cabem
se não vou aos jornais
e conto da parte que não te cabia mas você levou
na ilha da fantasia.
Eu te filmei eu te gravei
eu sei de tudo da tua
deliciosa doce vida,
portanto, morreremos de mãos dadas
abraçados
atirando uns nos outros
até que nos esqueça a fugacidade da imprensa
e nos confortem as mãos amigas da Justiça
o entendimento do digníssimo desembargador
a interpretação da lei no tribunal superior.
Venha a meu gabinete
passe em meu escritório
vá com sua mulher lá em casa
daremos uma festa
faremos um jantar
quem sabe outros agitos até de manhã.
Ninguém é culpado na ilha da fantasia
ninguém deve nada
à mulher que espera o ônibus
e não combina bolsa e sapato,
à outra que atravessa a BR
longe da passarela,
nenhuma explicação merece o homem cansado
que sai tão cedo e volta tão tarde
levando no rosto
o resto de sonho desfeito.
Todos deitam sem culpa na ilha da fantasia
depois que se apagam as luzes lilases das festas
que se esvaziam as travessas
sossegam-se as bebedeiras
calam-se os vômitos
encerra-se o pó
e a paz reina envergonhada.
*
André Giusti

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