sábado, 1 de agosto de 2015

A VIZINHA DA FRENTE


— Você viu a gatona que se mudou pra casa da frente?
— Bonita, realmente.
— Bonita?! Então você não viu coisa nenhuma, é de fazer qualquer um perder o sono. Eu que o diga, passo noites em claro por causa dela.
— Talvez eu não a tenha notado direito mesmo.
— Pois deveria! Estudar é importante, mas você tem que se divertir. Esses dias, ela estava lavando o carro do marido, estava só de bermudinha e camiseta branca, e que alvura de branco aquele! Deixava ver a cor vermelha de sua calcinha e a sombra de seus... e a silhueta então! É de enlouquecer. Desenhada como se fosse uma obra de Michelangelo. E a camiseta, depois de molhada, fixou-se em seu corpo, os seios são belos! Fartos, imponentes! Deu até para ver seus mamilos rosados. E as pernas, roliças, com pelos dourados refletindo o sol.
— Que eu saiba Michelangelo pintava figuras sacras, ele pintou o teto da Capela Sistina. Não sei se ele pintava formas de mulheres, mas se pintava, certamente eram rechonchudas.
— Isso não tem importância. Na verdade, nenhum pintor teria imaginação para retratar aquela beldade.
— Deu para ver tudo isso daqui da janela?
— Deu, e ainda mais quando ensaboava aquela lata fria, deixou-se...
— Vamos parar com esse papo. Não viu que a moça tem marido, não? Tem que respeitar...
— Eu respeito. Sempre que ele aparece, eu paro de olhar. Tem mais, nem te falei no dia em que estava plantando flores no jardim. Estava de saia, não era curta, mas ela a puxou até o joelho para se agachar e daí...
— Já falei...vamos parar. O senhor, com a sua idade, tendo esses pensamentos, faça-me o favor! O senhor nem enxerga direito mais.
— Não enxergo com o olho direito que a catarata tomou, mas o esquerdo está uma maravilha.
— Daqui a pouco, a vovó pega o vovô falando essas coisas.
— A tua avó está quase surda, ela não nos ouve da cozinha.
A velha, que estava fazendo o café, entrou na sala, olhou o velho com um sor¬riso debochado e perguntou:
— O que está falando pro nosso neto, Alfredo?
— Pois é... é... Eu estava falando pra ele não ficar pensando só em namorar, principalmente agora que ele passou no vestibular, que tem que levar os estudos a sério, ele vai ter um longo caminho pela frente, até se formar doutor.
— Ah bom! Pensei que estivesse falando da moça da casa da frente, que o deixa horas a fio plantado na janela, que nem um velho babão. Eu tô quase surda, mas enxergo bem com os dois olhos, velho!

A Compota e Pimenta e outros contos "puramente" Picantes, JDamasio, 2009

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