Quase todas as noites meu pai contava histórias para as
filhas pequenas pegarem no sono. Sentava numa cadeira colocada entre as camas e
invariavelmente começava assim: “Quando eu era guri, em Pirai...”.
E aí lá vinha o saci-pererê, que morava embaixo da ponte,
onde ficava pitando um cachimbo, cuja “fumacinha” subia e passava pelas frestas
dos tabuões, intrigando os passantes. Certa vez o cavalo da carroça do Joaquim
Barrigudo empacou, levantando as orelhas, assustado. Ôooou, ôooou, tentava o
carroceiro, mas nada do animal sair do lugar. Esse saci era o responsável por
coisas muito estranhas que aconteciam. Certa vez os meninos tinham ido tomar
banho no tanque da serraria, escondidos dos pais, como sempre. Por isso as
roupas tinham que ser mantidas sequinhas, estendidas nas moitas de capim.
Quando saíram da água, na hora de ir embora, as roupas tinham sumido. Já
cansados de tanto procurar, resolveram que era melhor esperar anoitecer para
não serem vistos pelados andando pelas ruas. Bronca na certa! Coisa do saci, só
podia ser! Esse moleque de uma perna só, que ninguém via, tinha o hábito de dar
nó nos rabos das vacas durante a noite. De manhã, na hora da ordenha, era uma
trabalheira danada. Ele também gostava de esconder tudo em casa. Sumia algo,
era o saci. Certeza que tinha passado por ali. Até pouco tempo atrás, confesso,
eu tinha dúvidas se as histórias eram inventadas ou se tudo realmente
aconteceu. Mas ao encontrar na internet uma fotografia do Joaquim Barrigudo e
seu carroção, pude comprovar: era tudo verdade mesmo!
Meu pai nos deixou há pouco tempo, e em todos esses anos eu
só estive em Piraí de passagem, mas esse lugar mágico, onde coisas incríveis
podem acontecer, existe! E embaixo de alguma ponte, lá em Piraí, deve estar
pitando um moleque arteiro, tramando a próxima travessura.
Jorge Abrão
CONCURSO DE CRÔNICAS E POEMAS "PIRAÍ DE
ANTIGAMENTE"
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