Pode ser que como as
estrelas
as coisas estejam
separadas
por pequenos intervalos
de tempo
pode ser que as nossas
mãos
de um dia para o outro
deixem de caber
umas dentro das outras
pode ser que no caminho
para o cinema
eu perca uma das minhas
ideias
preferidas
e pode ser
que já na volta
eu me tenha resignado
alegremente
a essa perda
pode ser
que o meu reflexo sujo
no vidro da lanchonete
seja uma imagem de mim
mais exata
do que esta fotografia
mais exata do que a
lembrança
que tem de mim
uma antiga colega de
colégio
mais exata do que a ideia
que eu mesma
agora tenho de mim
e portanto pode ser
que a moça cansada
de olhos tristes
que trabalha na
lanchonete
tenha de mim uma imagem
mais fiel
do que qualquer outra
pessoa
pode ser que um gesto
um jeito de dobrar
os lábios
te devolva
subitamente
toda a infância
do mesmo modo que uma
xícara
pode valer uma viagem
e uma cadeira
pode equivaler a uma
cidade
mas um cachorro estirado
ao sol não é o sol
e uma quarta-feira não
pode ser o mesmo que
uma vida inteira
pode ser
meu querido
que esquecendo em sua
cama
meu brinco esquerdo
eu te obrigue mais tarde
a pensar em mim
ao menos por um momento
ao recolher o pequeno
círculo
de prata
cujo peso
o frio
você agora sente nas mãos
como se fosse
(mas ó tão inexato)
o meu amor.
por
Ana Martins Marques.
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