quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Hilda, a bibliotecária.


De Mara Paulina Arruda.

Nas mãos dele uma caixa com cinqüenta livros de poesia. Ele chegou suado e com os óculos embaçados. Da porta avistou, no canto da sala, Hilda, a bibliotecária. Silenciosa estava restaurando um livro de Borges. Os cabelos presos num coque davam a ela um ar de dama do século XVIII. Uma mesa, ao seu lado, abarrotada de revistas, periódicos e outros livros esperavam para serem catalogados. O barulho do peso da caixa ao tocar o chão fez com que Ela visse o desajeitado do chegar Dele. Ela perguntou: “O que você está fazendo ai com esta caixa?” Então ele buscou um envelope no bolso da jaqueta, sorriu, limpou os óculos e disse que era uma encomenda especial para ela, vinda de longe. Ela levantou-se da cadeira foi até a porta onde Ele estava. Recebeu o envelope e fez um gesto de permissão para que Ele se achegasse com tudo o que trazia.

Essa biblioteca não é nada parecida com a que Borges eternizou em um dos seus contos que Hilda descreve, nas suas conversas, preferencialmente, quando fala do conto A biblioteca de Babel. A biblioteca, este lugar infinito de volumes preciosos, secretos, indecifráveis e, claro! inventada pelo escritor que ela adora. Um dia vendo-a cansada eu falei uma bobagem qualquer sobre a possibilidade dela mudar de trabalho. Hilda chacoalhou os ombros, fez um gesto com as mãos e jogou um olhar incrédulo sobre mim dizendo “Não, nem pense nisso.”

Precisaria adiantar um pouco do cotidiano de Hilda, de sua solidão, seus amores, sua família, mas neste mundo de livros, no fantástico das letras, tempo das personalidades e espíritos que Hilda transita já responde, um pouco, quem ela é. Soube que tinha escondido alguns poemas de sua autoria. Ela evitava falar sobre sua produção. Dizia; os poetas deixaram para mim a incumbência de cuidar da memória deles e isso já me basta! Veja como estou ocupada com os volumes os quais sou responsável. E a informatização deste acervo está me deixando atordoada!


Naquela manhã enquanto Ele transportava do caminhão até a sala os livros aonde Hilda estava Ela colocou as luvas, ajeitou-se na cadeira, puxou a máscara até a boca e com o maior cuidado do mundo trouxe para junto de si, Historia de la eternidad de Jorge Luis Borges; folhas amareladas, finíssimas que ao menor movimento poderiam rasgar. Ouvíamos o murmurinho hurumhurum musical que ela fazia pressionando os lábios. Quando Ele terminou de levar a última caixa de livros foi se aproximando de Hilda. Ela não o via. Estava totalmente entregue ao seu trabalho e as idéias que o autor daquela preciosidade tinha registrado. Ele ergueu os braços com a intenção de acariciá-la... deteve-se. Desajeitado quase derrubou um bibliocanto fazendo com que Hilda sobressaltada olhasse para Ele. Sem jeito, Ele tentou disfarçar suas intenções que perpassavam por seu coração, Ele perguntou sobre o amor e se era possível gravar o farfalhar das árvores, num livro. Hilda não disse nada. Fez-se sereia e mergulhou na página n.97 do livro que Ela recuperava. Leu cantando El tiempo circular. Puxou-o para dentro de si.

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