sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Detrás das cortinas eles sabiam que a caía a noite

Detrás das cortinas eles sabiam que a caía a noite. E em breve seria hora de se separarem. Cada um para a sua vida. Cada um para o seu lado. Mas enquanto não chegasse esta hora, os dois permaneciam imóveis, abraçados. No corpo dele o cheiro dela. No corpo dela o cheiro dele. A vida reúne e separa as pessoas. Aproxima e distancia os caminhos. Ali estavam os dois, reunidos e aproximados por algum desses desígnios insondáveis da vida. Mas em breve se separariam e provavelmente se distanciariam. O caminho dele iria para um lado. O dela para o outro. Durante algum tempo esses caminhos avançariam paralelos mas em pouco tempo se distanciariam como os braços da letra Y. Chegaria um tempo em que não mais se enxergariam, tão longe um do outro teriam ficado. Sim, pessoas que ontem foram próximas, não raro amanhã tornam-se estranhas. Às vezes o destino os reúne novamente – só para mostrar que a distância deixou suas marcas para sempre. Numa festa, num bar, numa loja os dois de repente se topam. Aí, depois de segundos de dúvida, quando ainda dá tempo de fingir não ter reconhecido o outro, os olhares se cruzam e emite-se o inevitável: oi, é você? A conversa flui aos trancos, constata-se quanto o outro envelheceu e imagina-se que ele (ou ela) está pensando o mesmo. Não, era melhor não terem se encontrado. O tempo produz devastações na alma e nos afetos da gente. Na memória também. Mas agora o tempo ainda não passou. Não passou de todo. Está passando, claro, lenta e irresistivelmente como os relógios e as águas dos rios. (O relógio você pode parar, o rio também pode-se represar, mas há um outro rio, você sabe, todos sabem, que nunca cessará e sempre correrá para o mar ao mesmo tempo tenebroso e fascinante do não-ser.) Mas ainda não passou de todo, o tempo. É só a noite que está caindo. Não a última noite. Apenas mais uma noite. Lá fora o mundo segue aparentemente igual. Um mundo, vamos convir, bastante insosso, monótono, vulgar. Um mundo que não sabe o que houve nesta tarde, que não merece saber o que houve nesta tarde porque nunca entenderá, um mundo que não precisa desta tarde assim como esta tarde não precisa desse mundo. Os dois estão abraçados. Impregnados um do outro. Cansados dos movimentos pélvicos que há pouco os convulsionaram. O cansaço e uma sensação apaziguadora os amortece. As pálpebras pesam. As batidas do coração desaceleram. A temperatura esfria. Os dois se abraçam mais e puxam as cobertas. Detrás das cortinas eles sabem que caiu a noite. E em breve será hora de partirem. Cada um para o seu lado. Cada um para a sua vida. Mas enquanto esta hora não chega, os dois permanecem imóveis, colados, calados. No corpo dele o cheiro dela. No corpo dela o cheiro dele. A vida reúne e separa as pessoas. Aproxima e distancia os caminhos. Em breve os dois estarão separados. Mais tarde é provável que se tornem estranhos um para o outro e quando o acaso os cruzar numa festa ou numa esquina mal saberão o que falar entre si. E aí? Não importa. Este dia ainda não chegou. Esta festa ou esta esquina ainda se acham distantes. O cheiro dela ainda está nele. O cheiro dele ainda está nela. E os dois sabem que vai custar a sair.


Otto Leopoldo Winck

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