Há três de mim. Há o cenário. Uma igreja pequena. Os atores.
Pálidos e mumificados ouvindo a voz do pregador. Há um perfume de incenso e há
um coro que só canta quando o pregador acena, levanta a mão, maestro tosco. Há
um ranger de madeira de bancos velhos, mas não ouço o ranger de almas. Minha
alma range desde que eu era menina. Hoje vivo à direita de mim, livre. Já
escapei do cenário. Eu disse – Há três. Uma que todos vêem em pé,
esgueirando-se pelas paredes onduladas do templo. Uma que está ali sem estar, a
viver como uma obrigação, para não ferir quem a ama, fica ali, ouvindo as
pregações. Ajoelha, arrepende, reza, comunga e até canta. Há aquela que está no
limbo. Uma névoa líquida fria e esponjosa que envolve em uma dança estranha,
quase bonita, quase assim aquele retrato de Isadora Duncan. Voando entre o
tecido, linda. No limbo não sou feliz, no templo não sou feliz. Só a terceira
que esgueira para fora e explode o peito de ar limpo e azul, esta que ninguém
vê. A invisível. A invisível é feliz, esta que ninguém conhece. Que ninguém
chicoteia como ao Cristo. Que ninguém julga: Pilatos aos borbotões. Esta que
ninguém prega na cruz. A que as suas sementes conhecem e a amam. Aquela que o
amado tocou, em silêncio. A terceira é o ar o azul o pássaro a cópula o colo
maternal a misantropa. A terceira que ninguém conhece. A terceira que só os que
amam conhecem. O frio ondulado das paredes causa artrite. Toca o sino e a
hóstia é erguida. Sacrifício. Vou ter que ficar aqui.
Bárbara Lia 2014 / escritos artesanais
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