sexta-feira, 1 de agosto de 2014

O Impossível

Priscila Lira
O Impossível
Para Maria Martins

Eu não sabia que, naquela noite, quando tu insististe em me levar pra tua casa, em vez de um quarto qualquer ali por perto, na verdade, tu estavas me convidando a entrar na tua cabeça. Também não percebi que cada livro teu em que eu passava meus dedos nus era uma vereda cada vez mais distante do teu rosto rígido como um sertão que há tempos não vê lágrimas. Do lado de cá, as palavras, as tuas metáforas, demoram a se formar e, nem sempre, as letras se organizam do jeito certo, por aqui tudo também é muito confuso.
Eu também não sabia que, no escuro, teus olhos ficam mais bonitos. É como se, no escuro, a cor deles iluminasse o quarto e me dissesse: o sertão é frágil, cheio de rachaduras, o sal da chuva machuca essas ranhuras de tantos anos a mais que esse teu rosto de pós-adolescente pós-moderna. Eu sempre soube que o meu rosto te desconcertava e que ele, assim como eu inteira, é, pra ti, como um ímã que tivesse os dois lados na mesma face e que, com a mesma facilidade incontrolável que tu te aproximas de mim e me enfia em uma vereda diferente da tua cabeça, tu corres e me rejeita.
continua aqui: http://www.escritorassuicidas.com.br/edicao47_3.htm#priscilalira47

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