Priscila Lira
O Impossível
Para Maria Martins
Eu não sabia que, naquela
noite, quando tu insististe em me levar pra tua casa, em vez de um quarto
qualquer ali por perto, na verdade, tu estavas me convidando a entrar na tua cabeça.
Também não percebi que cada livro teu em que eu passava meus dedos nus era uma
vereda cada vez mais distante do teu rosto rígido como um sertão que há tempos
não vê lágrimas. Do lado de cá, as palavras, as tuas metáforas, demoram a se
formar e, nem sempre, as letras se organizam do jeito certo, por aqui tudo
também é muito confuso.
Eu também não sabia que, no
escuro, teus olhos ficam mais bonitos. É como se, no escuro, a cor deles
iluminasse o quarto e me dissesse: o sertão é frágil, cheio de rachaduras, o
sal da chuva machuca essas ranhuras de tantos anos a mais que esse teu rosto de
pós-adolescente pós-moderna. Eu sempre soube que o meu rosto te desconcertava e
que ele, assim como eu inteira, é, pra ti, como um ímã que tivesse os dois
lados na mesma face e que, com a mesma facilidade incontrolável que tu te
aproximas de mim e me enfia em uma vereda diferente da tua cabeça, tu corres e
me rejeita.
continua
aqui: http://www.escritorassuicidas.com.br/edicao47_3.htm#priscilalira47
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