Quando minha mãe morreu eu sonhava com ela de forma
contínua, em cenários quase iguais. Ela era uma pessoa bem simples, e no sonho
eu conversava com ela à hora do almoço, frente a frente, as mesas com vasos de
flores, o tilintar dos copos, aquele burburinho de almoço de domingo. Lindas
varandas de restaurantes em tons rosas. Ela morreu em novembro e passei meses a
encontrá-la em sonhos, em conversas infindáveis, onde falávamos das coisas como
se ela estivesse acompanhando a minha vida... Um dos últimos sonhos terminou
quando ela disse: não esqueça que amanhã é aniversário do teu pai. Ele ainda
estava vivo. Vinte e três anos depois da morte do pai, comecei a recordar o
aniversário muitos dias antes... Dias e dias tecendo esta saudade que não acaba
nunca. Cem anos. Há cem anos o pai nasceu para viver setenta e sete anos de uma
vida singular... Antes de ir para a montanha das caçadas eternas encontrá-lo,
quero contar sobre sua vida rara... Bem mais do que já fiz em alguns poemas e
no livro - Paraísos de Pedra. Feliz aniversário Sr. Ladercio, onde quer que
estejas... Sinto falta do teu beijo em minha testa... E da tua gargalhada... E
de ouvir tuas histórias. Você foi o Google da minha infância... Ensinou tudo e
o mais lindo, a amar a Poesia. Beijos e beijos da tua filha, meu velho
centenário...
"Tem um homem ali, sentado, o jeito de sentar-se na
cadeira de balanço é inquieto. Ele dobra as mangas das camisas até os
cotovelos. Ele lê um livro em entrecortados espaços. Para, reflete, acende o
cigarro de palha, olha pela janela, volta a ler. A cadeira range e ele não se
desliga - nem da vida, nem do livro. A mão que segura o livro é morena e
áspera. No dedo anular esquerdo um anel cobre a aliança de casamento. Ele pode
passar a manhã inteira mergulhando seu olhar nas palavras. A cena lembra a sua
maturidade, quase velhice. Ele nunca se tornaria um ancião curvado. Morreu de
amor quando a sua amada imortal - minha mãe - morreu. Definhou, foi ao encontro
dela na montanha das caçadas eternas – o paraíso indígena. Aquilo que lhe
segredaram os meninos da tribo que foram seus vizinhos em São Jerônimo da
Serra. Ele sempre me contava que os índios acreditavam que o paraíso era uma
montanha onde se caçava eternamente."
Bárbara Lia
Paraísos de Pedra - Penalux (2013)
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