(Lauro Volaco)
Num momento em que grandes discussões são entabuladas sobre
o que os pais modernos podem ou não solicitar aos seus filhos, sem querer
realizar um julgamento, pois não é este meu papel, quero contar para vocês o
que nós fazíamos de útil em nossa infância. Vale ressaltar que tínhamos um
caseiro e que uma grande gama de serviços do dia a dia, era feita por ele, mas
acredito que por medida didática, nosso pai instituiu várias atividades para
que nós as realizássemos. Eram medidas que ele estudou a viabilidade técnica,
econômica e educativa, estabelecendo as rotinas, sem querer saber se eram do
nosso gosto ou não. O argumento que desconhecíamos, mas ele não, deveria ser o
seguinte: vocês quiseram ter esta área, que era uma dádiva para nós e nossos
amigos, agora repartam os cuidados para manutenção comigo. Mas isto que acabei
de falar é uma inferência minha, pois nunca nos foi dita.
Uma atividade diária e que era repetida no período da manhã
e no final da tarde era recolher todos os ovos dos cinco galinheiros. Isto
deveria ser feito com uma série de cuidados, para evitar atropelos e muita
agitação das muitas galinhas e dos poucos galos. A quantidade de ovos era
enorme e, dentre aquelas aves, as que paravam de botar eram as primeiras a
encontrar o caminho da panela, pois a questão era produtividade, sem
protecionismo.
Outra atividade, mais divertimento que obrigação, era irmos
todos os dias, no início da manhã, ver nosso pai a ordenhar a vaca e nos dar o
leite para bebermos, ainda quente e tirado na hora. Enquanto aquilo acontecia,
íamos buscar o milho com palha e sabugo, para alimentar a vaca. O bezerro tinha
hora certa para mamar: antes da ordenha para soltar o leite, e depois de tirada
a quantidade suficiente para o nosso uso, pois o restante pertencia a ele.
Colher frutas quando amadureciam, com todo o cuidado para
não bater umas contra as outras e levar para casa para serem comidas ou
transformadas em doces caseiros, os quais eram armazenados em caixetas de
madeira ou vidros de compota. Todo o trabalho de descascar, com a vigilância
muito próxima de nossa mãe, era feita por nó, e todos os restos, dados para os
porcos, o que possibilitava a perda zero e eliminação de resíduos. Em algumas
frutas, esse trabalho era muito penoso, como os figos verdes, que soltavam uma
espécie de leite ácido, tinham que ser descascados com lâmina de barbear, bem
fininha para não ferir a fruta, que iria se transformar em belíssimas e
gostosas compotas. As nossas mãos ficavam ardendo e dava a impressão que havia
sido queimadas com aquele líquido, agressivo à nossa pele. Os excessos das
frutas produzidas abundantemente em nosso pomar, depois de termos usado tudo o
que queríamos, eram doados para os alunos da Escola Rural, a todos os vizinhos,
a quem as pedisse, e ainda sobravam muitas, com as quais alimentávamos os
porcos criados no mangueirão e nos chiqueiros de engorda. Havia épocas que até
os porcos recusavam comer, principalmente peras, pois a quantidade era tão
grande, que até eles enjoavam.
Certo dia, eu, metido como era, resolvi realizar um trabalho
que não estava no planejamento de meu PA para que o fizesse. Vocês conhecem um
tipo de foice pequena e em arco, usada para cortar grama/capim para dar aos
animais? Nela havia um serrilhado para ajudar na hora do corte, que ficava do
meio para a ponta da ferramenta, com a qual. Armado, juntei um maço de capim e
passei o instrumento, esquecendo-me que o meu dedo mínimo estava na linha de
corte. O sulco foi tão profundo que deu para ver o osso na hora em que foi
lavado o ferimento. Mas o difícil mesmo foi ter que procurar os pais para
tratar daquele corte e ainda dizer que estava desobedecendo a uma ordem
recebida. Daquela vez, acredito que por dó da dor que senti, não fui castigado
nem levei uma surra. Mas até hoje tenho uma redução da flexibilidade e força no
dedo ferido na ocasião Dura forma de aprendizado, mas muito eficaz, pois nunca
mais fiz isso ate hoje.
HISTÓRIAS DE UM PIRAIENSE.
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