domingo, 6 de março de 2016

CARAMANCHÃO CELESTIAL!

Um dos lugares mais lindos do terreiro que minha avó tinha na casa onde morava, ficava logo após a entrada pelo portão da frente. A porta principal de acesso era na lateral, pois o desnível da casa para a calçada era enorme, e a parede rente à calçada não permitia ter-se uma escada de acesso pela frente. Tinha uma porta, que era mantida sempre trancada, pois se alguém resolvesse sair por ali, cairia de uma altura de uns dois metros. Ainda bem que não havia “torrado” algum que frequentava aquela casa.
Como já contei, meu avô era marceneiro e fez um caramanchão de imbuia, com vigas e vigotes muito reforçados e tratados contra todo o tipo de bichos, e também impermeabilizado contra o ataque das chuvas. Era bem largo e comprido: três metros de largura, oito metros de comprimento e três metros de altura. A escolha da trepadeira que ali seria plantada, bem como a quantidade, espaçamento, cor, umidade, adubos, poda e todos os demais detalhes passaram então, depois da entrega da obra, para os cuidados da minha avó Alzira.
Não sei como foi no início do plantio, pois ainda não era nem projeto de gente. Quando nasci, já existia a trepadeira cobrindo toda a extensão do caramanchão, fazendo com que o sol, por mais forte que fosse não acabasse com a sombra sob o caramanchão, que era total. A claridade entrava pelas laterais, que eram mais rarefeitas, causando uma sensação excelente de iluminação indireta. Nossos olhos eram poupados da incidência direta dos raios solares. Parecia que se ia entrar no “túnel do tempo”.
A flor que minha avó escolheu era a glicínia, mas isto eu só fui aprender muitos anos mais tarde, quando tinha bem mais idade. As glicínias eram azuis, em tonalidades que variavam entre claras, médias e escuras, as quais pareciam cachos de uva que se sobrepunham, formando um paredão de flores. Nem a pessoa de mais bom gosto e cuidado que existisse em todo o planeta, seria capaz de uma perfeição daquele empilhamento em que elas estavam dispostas. Ninguém ousava tocar naquelas flores, mas eu imagino que mesmo que você tirasse 50% delas, desde que bem distribuídos os cortes, ainda manteria a beleza e aquela sombra deliciosa.
A sensação que quem entrava nesta casa tinha, era que estava sendo saudado pela coisa mais preciosa que meus avós tinham. A delicadeza como os anfitriões recebiam os visitantes e familiares, criava um clima de harmonia e paz. Meu avô era muito cortês, mas muito quieto, ao contrário de minha avó que era muito falante.

Aquela era uma casa que parecia ter sido abençoada por um ser superior, que teve todo o cuidado para criar um “caramanchão celestial e dado de presente para todos aqueles que entravam e saiam daquele lar abençoado.

(Lauro Volaco)
COLETÂNEA DE CAUSOS, CRÔNICAS E POEMAS "PIRAÍ DE ANTIGAMENTE"

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