John
Gregory Dunne morreu um pouco antes do jantar, sentado no sofá da sala enquanto
sua mulher preparava a comida na cozinha. Os dois estavam conversando e ela
então perguntou se ele queria um drinque e a resposta não veio. O coração de
Dunne parou no intervalo entre um comentário dele e a pergunta dela.
A viúva,
Joan Didion, escreveu um livro sobre o luto e o chamou de O Ano do Pensamento
Mágico. “Mágico” no sentido de sobrenatural. Ela passou meses “esquecendo” que
o marido havia morrido, pensando que ele chegaria da rua a qualquer momento, ou
que estava em algum cômodo da casa. A sensação era de que ainda estava vivo. E
várias vezes ela precisou “lembrar” que ele estava morto.
Didion é
uma ensaísta importante nos EUA. Numa conferência que fez anos atrás, explicou
que escreve para descobrir o que pensa. Sem escrever, não conhece o que passa
por sua cabeça.
Depois
que você termina de ler, a impressão que o livro deixa é que Didion fez uma
travessia. Ela conseguiu assimilar a perda do marido. Não significa que tenha
conseguido superá-la. Não se trata de algo superável.
Há pouco,
a Nova Fronteira publicou Noites Azuis, livro apresentado como a continuação de
O Ano do Pensamento Mágico. O fato é que a filha adotiva de Didion e Dunne,
chamada Quintana, morreu com várias complicações de saúde, aos 39 anos, 20
meses depois do pai. Tragédia vem sempre acompanhada.
Noites
Azuis trata da morte de Quintana e é muito mais doloroso que o livro anterior.
A autora
busca referências para lidar com a perda da filha e se lembra de uma amiga da
família, Natasha Richardson, filha da atriz Vanessa Redgrave (que faria no
teatro o monólogo inspirado em O Ano do Pensamento Mágico). Natasha morreu num
acidente banal de esqui, deixando marido e filhas. É um exemplo, para ela, de
uma morte sem sentido, na hora errada. Que levou a pessoa errada.
Ao longo
do texto, Didion elabora longas digressões, resgata eventos do passado da
filha, questiona sua competência como mãe, mas sempre retorna ao ponto em que
está: sem a filha. É o efeito da repetição de frases como “Quando falamos em
mortalidade estamos falando de nossos filhos” e “Que dor maior pode haver para
os mortais do que ver seus filhos mortos?”.
Didion
tenta assimilar o fim da filha. Ela quer dar sentido à situação toda, dá para
ver a necessidade que tem de manter a cabeça fora da água, o esforço que faz
para administrar a angústia constante de se ver sozinha, tendo sobrevivido aos
outros integrantes da sua família.
Mas ela
não consegue e é isso que faz o livro ser incrível: ele mostra que algumas
travessias simplesmente não são possíveis.
Irinêo
B.Netto
Fonte.Gazeta do Povo
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