sábado, 20 de outubro de 2012


PUREZA CABOCLA
Era uma segunda feira, pensava que se a fila do banco estivesse bem longa, poderia ler uns cinco contos de Tchékhov. Antes de chegar ao banco, eis que esbarro em um senhor, jeito interio­rano, chapéu de palha na cabeça, andar encabulado. Plantou-se de fronte a uma banca que exibia entre os jornais do dia uma revista masculina, na capa as poses ousadas de uma famosa atriz. Estupefato, tirou o chapéu da cabeça e colocou no peito en­quanto matutava alto: Que mulherzinha sem-vergonha! Vadia! Que abu­so! Onde vamo pará com esse mundo de Deus?”
Sorri ao ver a indignação daquele sin­gelo senhor, ainda despoluído das imagens das grandes cidades, e segui. Entrei no banco, lá fiquei por mais de duas horas; uns dez contos de Tché­khov depois, quando saía do banco, ainda extasiado com o universo do meu autor preferido, vejo em frente a banca de jornal aquele mesmo senhor, agora de chapéu estrategicamente abaixo da cintura, dizendo: “Sem-vergonha! Vadia! Que mulherão! Aonde vamos...”
J.Damasio

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