PUREZA CABOCLA
Era uma segunda feira, pensava que se a fila do banco
estivesse bem longa, poderia ler uns cinco contos de Tchékhov. Antes de chegar
ao banco, eis que esbarro em um senhor, jeito interiorano, chapéu de palha na
cabeça, andar encabulado. Plantou-se de fronte a uma banca que exibia entre os
jornais do dia uma revista masculina, na capa as poses ousadas de uma famosa
atriz. Estupefato, tirou o chapéu da cabeça e colocou no peito enquanto
matutava alto: Que mulherzinha sem-vergonha! Vadia! Que abuso! Onde vamo pará
com esse mundo de Deus?”
Sorri ao ver a indignação daquele singelo senhor, ainda
despoluído das imagens das grandes cidades, e segui. Entrei no banco, lá fiquei
por mais de duas horas; uns dez contos de Tchékhov depois, quando saía do
banco, ainda extasiado com o universo do meu autor preferido, vejo em frente a
banca de jornal aquele mesmo senhor, agora de chapéu estrategicamente abaixo da
cintura, dizendo: “Sem-vergonha! Vadia! Que mulherão! Aonde vamos...”
J.Damasio
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