1
abro uma cerveja tomo penso na vida. o animal em cativeiro
amansa come dorme sofre ama perde a esperança desespera prepara o dia da
vingança. este é meu cárcere ou meu escudo? estou em guerra e vencendo pela via
do afeto. basta-nos uns passos para sairmos de nossa casa e nem tantos para
sairmos da vida
2
a carne indaga o tempo: angu de angústias. nos grandes
palácios de vácuos o rebanho está ouvindo com atenção. é como cortar a água do
mar para tentar definir territórios é como tomar pastilhas de plenitude.
existimos? a resposta pode que seja: prótese. e gagueja-se que: tudo já foi
gaguejado. insegurança... eis. nem mesmo a tristeza é suficiente – joelheiras
para os penitentes. nem mesmo a doença é o bastante – o trágico quer menos
segundos. só o vivo pode fazer seu luto. as formas vivas atrapalham o infinito
3
o sol a pino dos saberes se querem claros mas outra vez o
entardecer nublado. a verdade não está aqui. baba imaginária reveste o prego da
realidade. onde foi que você sentiu tantas palavras para chegar ao seu delírio?
e a extração da pedra da loucura. meu olhar é tarde. tudo o que lembro,
invento. as formas vivas garantem o infinito. mando a mensagem ela bate no
outro e volta pra mim mensagem que eu mesmo mando pra mim. ah as composições
cúmplices ah chaga narcísica. embaixo a vida é mais barata. deveria
descrevê-la? a verdade não está aqui
4
um chapéu? não, um quati na cabeça
5
um homem concerta (com C porque no sentido musical) portas.
o ranger o encaixe seu toque faz mágica. às vezes precisa martelar com força
6
ela coloca três seis sete treze vinte beijos dentro de mim
coloco cinco sete quarenta e três beijos dentro dela – não se traduz o que diz
a gosma. canto e aí a minha vida inteira aos pés de seu ouvido. o amor é uma
praia que igualmente tem o nascer do sol no mar e o pôr do sol no mesmo lado no
mar, conforme passam a demonstrar as ondas
7
escrevo – um contínuo dizer que não se diz. escrevo e ativo
o presente ativo o presente escrevo e o presente já está ausente. uso não
explico o uso – contínuo dizer que não se diz. eu sou tudo menos um contador de
histórias – e assim conto uma história
8
estou sentado nos conceitos chutam o pé da cadeira. ah pego
as perguntas todas faço um porre com elas e me divirto. abro mais uma e mais e
mais uma cerveja tomo penso na vida e vou dormir
luíz Felipe Leprevost
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