Então, aparece um entre os milhões de miseráveis do Brasil,
que compõem a imensa maioria da população no país e confessa ter matado mais de
40 pessoas, 42 para ser mais preciso, e grafo a palavra numericamente para
denotar em escandalosa cifra este absurdo.
Fria, pausada, consciente e precisa é sua confissão. Ele não
demonstra emoção. Fala sobre os crimes com a naturalidade de quem prepara uma macarronada
aos domingos. Cita as armas assim como um gourmet citaria os ingredientes.
Descreve as vítimas com acuidade e detalhes. Diz que as estudava em hábitos e
horários. Escolhia quase sempre mulheres para confirmar sua covardia torpe.
Além de mulheres matou crianças. Usava objetos cortantes encontráveis comumente
em latas de lixo ou jogados pelas sarjetas e pelos mafuás por onde se movia.
Por trás deste, uma mulher idiotizada pela mesma moléstia – a miséria. A
parente mais próxima da fome e do abandono.
Nasceu e cresceu muito provavelmente nos guetos sujos para
onde foram empurradas e varridas a maioria das gentes sem sangue azul, os
gentios, os deserdados do Brasil -.as favelas e bairros putripestilentos dos
subúrbios e áreas adjacentes à região metropolitana. Não exige esforço rotundo
a carreira e diplomação de um assassino no Rio de Janeiro. Habitam mucambos
sebosos da oleosidade dos dejetos e detritos. Nunca conheceram família ou
escola. Seus próprios pais eram obrigados a inventar como sobreviver, até mesmo
vender um filho pode garantir comida por mais dois dias ou uma semana.
Colocá-los às ruas para que se virem e tragam soldo para casa pode ser uma
alternativa. Surrar-lhes todas as noites antes de dormir para que entendam que
não há afeto no mundo. E a mais de tudo, a vida social nas favelas é exemplar.
Lá estão praças com brinquedos, creches e escolas bem aparelhadas para formar
um cidadão. Acrescenta-se a todos os ingredientes as nobilérrimas instituições
governamentais, corruptas, compostas por funcionários estúpidos e mal
remunerados favorecendo um desenvolvimento saudável e impune à formação de um
bandido assassino.
Ele não carrega sombra de sentimentos de culpa. E afirma que
sempre tem prazer em matar. Todo ser humano percebe prazer pessoal quando se
compreende justiçado, ou quando entende que ao agir em determinada direção
obtém um ganho que perpetuamente lhe foi negado. Ao matar obtinha seu sustento,
a manutenção de sua vida e o conforto de suas necessidades.
Sua cúmplice, que o protegia e indicava vítimas, tem as
mesmas características psicológicas e um paradoxal bom humor, estampando sua
imbecilidade feliz por aparecer na televisão. Talvez não seja uma alegria
parva, talvez seja a glória por finalmente receber a atenção do Estado, do
governo, da sociedade, que lhe foi negada por toda a vida. Terá casa e comida
nas mesmas condições em que viveu sua existência maltrapilha e infame, e, ainda
assim, já que as condições do cárcere no Brasil não são tão diferentes da
miséria, terá que continuar matando. Friamente. Com prazer.
Alexandre Acampora. dezembro 2014.
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