Otto Leopoldo Winck
Reproduzo aqui a simpática resenha que Daniel Osiecki
publicou no Jornal RelevO de dezembro:
Jaboc: labirintos narrativos
Escrever sobre o ato de escrever não é novo nem original na
ficção, mas tema recorrente abordado por diversos escritores. João Cabral de
Melo Neto, Drummond, Vergílio Ferreira, Cristóvão Tezza, Cezar Tridapalli se
ocuparam, em algum momento de suas respectivas produções literárias, com a
metalinguagem. Escrever sobre o ato de escrever parece não interessar tanto um
público não afeiçoado à literatura mais elaborada, pensada, com enigmas deixados
para o leitor, mas mesmo assim foi tema bastante explorado por autores
diversos.
Para ficar em nossas paragens, fora os já citados Tezza e
Tridapalli, Otto Leopoldo Winck é um dos escritores que se ocupou com a
metaliteratura no belo Jaboc (Garamond, 317 pag.), romance de 2006 que só agora
descubro. Otto Leopoldo Winck nasceu no Rio de Janeiro, em 1967. Winck vive em
Curitiba desde anos 80. É doutor em estudos Literários pela UFPR e professor de
literatura na PUCPR. É poeta, contista e romancista.
Joboc, seu primeiro romance, narra as desventuras de um
professor universitário que, em meio a leituras de Fernando Pessoa e muito
blues de Muddy Waters, Robert Johnson, Jimmi Hendrix e tantos outros, está
escrevendo um romance, e esse processo de escrita é repleto de percalços,
sofrimento e muito álcool. O livro que o protagonista escreve é sobre um homem
que está escrevendo um livro, técnica denominada de mise en abyme, história
dentro da história.
Durante toda a narrativa há referências sugeridas, mas facilmente
identificáveis, a Curitiba e à cena literária local, com suas batalhas de ego
de escritores provincianos, com suas pequenezas e idiossincrasias. É
interessante ressaltar que Winck critica essas pequenezas literárias à
distância, através de seu personagem, o que lhe confere certo distanciamento ao
apontar as mazelas e mesquinharias literárias de um meio pretensamente erudito,
mas que ao ser ironizado, nada mais é do que um desfile de escritores blasé que
buscam, desesperadamente, terem mais relevância do que suas próprias obras.
Conforme a ação vai transcorrendo, o protagonista vai
sofrendo uma espécie de mutação em seu modo de agir, pensar, escrever. De
acadêmico de reputação ilibada, trabalhador assíduo e bem quisto no
departamento de letras de uma universidade particular a funcionário relapso,
mal vestido, deprimido, beberrão e imerso no seu projeto particular de escrever
um livro a qualquer preço. Somada a frustrações profissionais, há também uma
iminente crise temporal, pois sente-se velho e já impossibilitado de
relacionar-se como era no passado. O símbolo disso é a relação que inicia com
Virgínia, sua aluna do primeiro ano de Letras, linda e transbordando juventude,
como se fosse seu nêmesis.
Uma das chaves (ou dicas sutilmente deixadas por Winck) para
a compreensão do romance é seu título, que é uma alusão a Jacó, personagem do
antigo testamento que em uma luta com um anjo misterioso muda completamente seu
modo de agir se rendendo ao chamado divino, o que é uma bela metáfora ao fazer
literário, pois simboliza a imagem do escritor em uma batalha feroz com as
palavras. Se o escritor se rende ou não, não é relevante, mas sua forma de
buscar seu momento nevrálgico é o que vale no fim.
A questão de sempre estar fazendo a mesma coisa sem ter
resultados é bastante evidente no romance, sendo simbolizado pelo mito de
Sísifo, que segundo a mitologia grega, levava uma enorme pedra ao alto de uma
montanha. A pedra rolava para baixo e Sísifo a levava para o alto da montanha
novamente e assim sucessivamente, sem nunca acabar. Portanto, a batalha do
protagonista com as palavras e com o fazer literário é simbolizada pelos mitos
de Jacó (hebraico) e Sísifo (grego).
Jaboc é o romance de estreia de Otto Leopoldo Winck e no ano
de seu lançamento, 2006, venceu o Prêmio Nacional de Literatura Academia de
Letras da Bahia. Com domínio da técnica narrativa e com repertório teórico
bastante vasto, ao qual Winck recorre com frequência durante todo livro, Jaboc
em momento algum é enfadonho ou soa pretensioso, pelo contrário, é ágil e a
leitura flui do início ao fim. Winck acertou a pena neste seu primeiro romance
e espero que Jaboc não tenha sugado toda sua energia.
Daniel Osiecki
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