domingo, 14 de dezembro de 2014

NENHUM AMOR CABE NUM SÓ CORPO


Nenhum amor cabe num só corpo
ainda que as veias abarquem o tamanho do mundo;
sempre um desejo fica de fora,
outro soluça e contudo falta.
Sabe-o o mar no seu lamento solitário
e a terra que busca os restos da sua estátua;
não basta um só corpo para albergar as suas noites,
algumas estrelas ficam fora do sangue.
Nenhum amor cabe num só corpo,
ainda que a alma se aparte e ceda espaço
e o tempo nos entregue as horas que retém.
Duas mãos não nos bastam para alcançar a sombra,
dois olhos vêem apenas poucas nuvens
mas não sabem onde vão nem donde vêm,
que país musical as une e as dispersa.
Nenhum amor, nem o mais fugidio, o mais fugaz,
nasce num corpo que está só,
ninguém cabe no tamanho da sua morte.

Eugénio Montejo

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