por Nilo Oliveira
Todo mundo na “correria”. Na “luta”. Na “batalha”. A soberba mal
disfarçada ao secar o suor da testa como se prestasse continência, e bufar, de
queixo erguido, entre o êxtase e a asfixia (ou no êxtase que, dizem, costuma
assinalar o auge do enforcamento): “Quase sem tempo pra respirar”.
É assim que as pessoas se cumprimentam hoje em dia: “E aí,
parceiro? Trabalhando muito?” – e a resposta é sempre a mesma variação infinita
e orgulhosa da máxima facistóide, que poderia ser epígrafe dessa geração de
yuppies e barnabés esotéricos e tatuados, que berra com as “mãozinhas pro ar”
atrás de uma felicidade boçal, barulhenta e psicofarmacologicamente obrigatória
– qual seja: “Quem não vive para servir, não serve para viver”.
Diante do paraíso impossível, a classe operária (ou deveria
dizer os colaboradores?) parece não apenas ter se resignado, mas incorporado os
discursos da “qualidade total”, da “reengenharia” ou qualquer outro apelido que
se dê a relações de produção que, em essência, mudaram muito pouco – e suas
reivindicações se acomodaram à felicidade nunca plenamente alcançada da
quitação mensal dos impostos e carnês dos grandes magazines de
eletrodomésticos, numa existência circular e bovina, que, talvez no acanhamento
de chamarem vida, resolveram apelidar sobrevivência.
É nesse cotidiano composto de miudezas e sapos engolidos – nesse
sonho pulverizado em módicos, amortizados escombros, em cuja poeira mal se
oculta os juros extorsivos – que o Paulino foi buscar a matéria dos seus
contos. Passando ao largo de discursos panfletários, frases de efeito ou enredos
mirabolantes, seus personagens parecem deslizar da casa para o trabalho e do
trabalho para casa – “todo maldito santo dia” – pensando apenas em se adequarem
às exigências impostas pela necessidade de sobreviver, e aparentemente
esquecendo que o “ganhar o pão com o suor do próprio rosto” é, na verdade, a
maldição inaugural – aquela que, em si mesma, representa a impossibilidade de
retorno a qualquer estado semelhante à paz, à plenitude ou coisa que os valha.
Esse sonambulismo, entretanto, é apenas aparente. Pois, nas
entrelinhas – em gestos inconscientes, acanhados atos de sabotagem e pequenos
vandalismos – a revolta cresce em surdina, como uma onda que ameaça tomar
vulto, mas que aos poucos definha, rancorosamente apaziguada, e se mistura à
superfície, denegando na raiz sua vocação para o rugido e a catástrofe.
Nos
seus contos, Paulino parece buscar algo que resolvi apelidar de “Estética do
Osso”: uma lição de estilo que também pode ser aprendida em Graciliano Ramos,
no Emmanuel Bove de Meus Amigos – ou em João Cabral de Melo Neto, quando este
aconselha aos poetas (e escritores em geral) a não “perfumar sua flor”, não
“poetizar o poema”. Estilo, aliás, muito apropriado para tratar de um tema como
o mundo do trabalho, justamente pelo viés do cinza – no qual a esperança de
“chegar lá” (fetiche explorado com muita competência pelos publicitários e
pelos modernos gurus do adestramento empresarial) é cotidianamente desmentida
pela monotonia e o desencanto inerentes a ocupações que, não raro, poderiam ser
desempenhadas por animais de tração ou chimpanzés.
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